BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO

SERVIÇO DE EPIDEMIOLOGIA / HFSE / SAES / MS

ANO XXX - Nº 56 - JAN A JUN / 2019

EDITORIAL

Sarampo: novos desafios impostos pela baixa cobertura vacinal


O sarampo é uma doença viral aguda de alta transmissibilidade, imunoprevinível, potencialmente grave, e com acometimento mais frequente em crianças menores de cinco anos, desnutridos e imunodeprimidos. Os principais sintomas são febre, tosse, conjuntivite, coriza, congestão nasal e prostração. Em torno de dois a quatro dias, pode evoluir com exantema maculopapular de direção cefalocaudal. A manutenção da febre por mais de três dias após o aparecimento do exantema é um sinal de alerta e pode indicar o aparecimento de complicações, como infecções respiratórias, otites, doenças diarreicas e neurológicas. A transmissão do vírus ocorre a partir de secreções nasofaríngeas expelidas ao espirrar, tossir, falar ou respirar e/ou por dispersão de aerossóis com partículas virais no ar, em ambientes fechados como escolas e clínicas.

Situação epidemiológica

O sarampo é um agravo de notificação compulsória no Brasil desde 1968. Os casos suspeitos ou confirmados devem ser informados às autoridades sanitárias de forma imediata e notificados no SINAN. Em 2016, o país recebeu o certificado de zona livre do sarampo pela Organização Mundial de Saúde, que também o declarou erradicado de toda a região das Américas.

Contudo, surtos da doença ao longo de 2018 resultaram na perda desta certificação em março de 2019. Ao longo deste ano, em todo o Brasil, foram notificados 49.613 casos suspeitos de sarampo: 10.429 confirmados (21,0%); 19.647 descartados (39,6%) e 19.537 em investigação (39,4%).

No estado do Rio de Janeiro, até 14/11/2019, foram notificados 758 casos, sendo 150 confirmados (19,8%). Somente no HFSE, neste ano, foram notificados quatro casos suspeitos de sarampo, sendo um confirmado por critério laboratorial.

Diagnóstico

Todos os casos suspeitos de sarampo devem ser investigados laboratorialmente. A coleta oportuna de amostras clínicas deve ser feita do 1° ao 30° dia do aparecimento do exantema, para pesquisa de anticorpos (soro), e até o 7º dia para a identificação viral (amostras de urina e swabs combinados de orofaringe e nasofaringe).

Prevenção e controle

 

O paciente com suspeita de sarampo deve permanecer em precaução respiratória para aerossóis até quatro dias após o início do exantema. É necessário executar medidas de prevenção e controle desde o momento da suspeita – que deve ser investigada no prazo máximo de 48h – até o fim do período de transmissibilidade, prezando também pela vigilância dos contatos por 21 dias. Em caso de internação, deve ser feita a vacinação seletiva de pacientes e profissionais do setor não imunizados e o uso de equipamentos apropriados para proteção contra aerossóis, como a máscara N95.

Segundo o calendário vacinal do Ministério da Saúde, aos 12 meses de idade a criança deve receber a primeira dose da vacina tríplice viral e, aos 15 meses, a tetra viral. As doses também podem ser tomadas durante a adolescência e a fase adulta (até os 49 anos), caso o indivíduo não tenha sido vacinado anteriormente. Diante do cenário atual, também se preconiza a aplicação da dose zero para crianças de 6 meses a 11 meses e 29 dias.

Desafios e perspectivas

Apesar da vacina tríplice viral ser disponibilizada gratuitamente para toda a população brasileira, a cobertura vacinal vem ficando abaixo da meta, desde 2017. No estado do Rio de Janeiro, em 2019, a cobertura para crianças de um ano de idade com a primeira dose da vacina tríplice viral ainda é de 68,5%. Dos 12 municípios com casos de sarampo, 10 não atingiram a meta de vacinação de 95%.

Portanto, o aumento da cobertura vacinal e a detecção precoce de novos casos de sarampo são de extrema importância para a prevenção e controle do agravo, dificultando assim a propagação do vírus em suscetíveis. É preciso buscar novas estratégias de sensibilização da população e de profissionais de saúde para que esta e outras doenças sejam erradicadas a nível local e global. 

Referências

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico 33. Vigilância Epidemiológica do Sarampo no Brasil 2019: Semanas Epidemiológicas 32 a 43 de 2019. Brasília: Ministério da Saúde, 2019.

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Coordenação-Geral de Desenvolvimento da Epidemiologia em Serviços. Guia de Vigilância em Saúde: volume único 3ª ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2019.

Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro. Subsecretaria de Vigilância em Saúde. Gerência de Doenças Imunoprevíníveis. Informe Epidemiológico 007/2019. Sarampo.


 

 

Perfil clínico-epidemiológico dos casos de tuberculose em profissionais de saúde, notificados pelo H.F.S.E., de 2007-2019


1Ramos, R.Q.3; Pereira, A.G.L.2; Marques, M.R.V.E.; Nascimento, I.O.C.A; Escosteguy, C.C.2; Azevedo, O.P.2

1Residência Multiprofissional em Saúde Coletiva – IESC/UFRJ; 2Serviço de Epidemiologia/HFSE; 3Graduação de Enfermagem – UNESA.


Introdução: a disseminação da Mycobacterium tuberculosis (MTB) através do contato com aerossóis contaminados é uma questão de saúde pública. Estudos apontam para o risco ocupacional de infecção por MTB nos profissionais que trabalham na área da saúde, pois estes se encontram frequentemente expostos à forma ativa da doença, ainda que não trabalhem diretamente com atenção à saúde. Desde o início do século XX, pesquisas encontraram maiores taxas de conversão do teste tuberculínico nesta população do que na população em geral. A ocorrência de casos reforça a necessidade de se discutir aspectos relacionados à biossegurança no ambiente de trabalho, buscando reflexões e caminhos para a prevenção.

Objetivos: descrever o perfil clínico-epidemiológico dos casos de tuberculose em profissionais de saúde, notificados pelo Hospital Federal dos Servidores do Estado (HFSE) de 2007 a maio de 2019.

Metodologia: estudo descritivo a partir da base de dados do SINAN Net local e do SINAN Rio, tendo sido selecionados todos os casos de tuberculose em profissionais de saúde notificados pelo Serviço de Epidemiologia do HFSE de 2007 a maio de 2019. Para fins deste estudo, foram considerados profissionais de saúde todos aqueles que mantinham atividade laboral em ambientes de assistência à saúde. Os dados foram complementados com informações obtidas a partir de revisão das fichas de notificação/investigação arquivadas localmente. Foram realizadas análises de consistência e completude do banco de dados. As variáveis estudadas foram aquelas constantes na ficha de investigação e relacionadas a aspectos sociodemográficos, clínicos, laboratoriais e operacionais. Análise realizada com EpiInfo 7.

Resultados: foram notificados pelo HFSE 55 casos de tuberculose em profissionais de saúde no período de estudo, dos quais dois casos foram encerrados como mudança de diagnóstico e, portanto, excluídos da análise; ambos receberam diagnóstico de neoplasia. Em fevereiro de 2019 foram notificados dois casos de tuberculose em profissionais do Centro de Diagnóstico Endoscópico, o que foi notificado como surto intra-hospitalar. As notificações individuais destes casos estão incluídas nesta análise. A tabela 1 apresenta a distribuição dos 53 casos confirmados analisados, segundo variáveis sociodemográficas.

A maior frequência de casos ocorreu no sexo feminino (58,5%), sendo que havia uma gestante, no 2º trimestre da gravidez. A média de idade foi 45 (DP ±14,7) e a mediana 46 anos. Dos casos, 50,9% eram brancos, 49,1% tinham nível superior completo, e as categorias profissionais mais frequentes eram auxiliar/técnico de enfermagem (35,9%), médicos (32,1%) e enfermeiros (13,2%).

 

Tabela 1. Informações sociodemográficas dos casos de tuberculose, notificados pelo H.F.S.E., de 2007-2009.

 

Variável

f

    %

 

Sexo

 

 

 

Feminino

31

58,5%

 

Masculino

22

41,5%

 

Faixa-etária

 

 

 

20-29 anos

12

22,6%

 

30-39 anos

10

18,9%

 

40-49 anos

9

17,0%

 

50-59 anos

13

24,5%

 

Acima de 60 anos

9

17,0%

 

Raça/Cor

 

 

 

Branca

27

50,9%

 

Preta

13

25,5%

 

Parda

8

15,1%

 

Ignorado

5

9,4%

 

Escolaridade

 

 

 

Fundamental completo

6

11,3%

 

Médio completo

16

30,2%

 

Superior incompleto

1

1,9%

 

Superior completo

26

49,1%

 

Ignorado

4

7,6%

 

Município

 

 

 

Rio de Janeiro

35

66,0%

 

Baixada Fluminense

8

15,1%

 

Niterói

6

11,3%

 

Outros municípios do RJ

4

7,6%

 

Categoria profissional

 

 

 

Auxiliar/técnico de enfermagem

19

35,9%

 

Médico

17

32,1%

 

Enfermeiro

7

13,2%

 

Agente de saúde

3

5,7%

 

Recepcionista de consultório

2

3,8%

 

Administrador

1

1,9%

 

Funcionário do almoxarifado

1

1,9%

 

Auxiliar de laboratório

1

1,9%

 

Fisioterapeuta

1

1,9%

 

Ignorado

1

1,9%

Fonte: SINAN Net local/Serviço de Epidemiologia-HFSE.

A tabela 2 apresenta o perfil clínico-laboratorial dos casos, dos quais 84,9% eram novos e 54,7% forma pulmonar isolada. O exame anti-HIV foi realizado em 39 casos (73,6%); ainda que seja preconizado o teste rápido de HIV para os pacientes com tuberculose, 14 destes não foram testados. Com a testagem, é possível ter um tratamento diferenciado e com melhores prognósticos para aqueles com coinfecção HIV-TB.

Para confirmação laboratorial do diagnóstico, o critério utilizado foi a presença de um ou mais resultados positivos para os seguintes exames: baciloscopia de escarro ou de outros materiais, cultura de escarro ou de outros materiais, teste rápido molecular (TRM), histopatológico. Dentre os quatro óbitos, três apresentavam a forma pulmonar com extrapulmonar associada e um tinha infecção pelo HIV.

Tabela 2. Informações clínico/laboratoriais dos casos de tuberculose, notificados pelo H.F.S.E., de 2007-2009.

 

Variável

f

%

Tipo de entrada

 

 

Caso novo

45

84,9%

Recidiva

3

5,7%

Transferência

3

5,7%

Ignorado/em branco

2

3,8%

Forma clínica

 

 

Pulmonar

29

54,7%

Extrapulmonar

10

18,9%

Pulmonar e extrapulmonar

14

26,4%

Anti-HIV

 

 

Positivo

11

20,8%

Negativo

28

52,8%

Não realizado

14

26,4%

Comorbidades

 

 

Aids

10

18,9%

Hipertensão arterial sistêmica

5

9,3%

Doença renal

4

7,6%

Tabagismo

4

7,6%

Alcoolismo

3

5,7%

Diabetes

3

5,7%

Uso de outras drogas

3

5,7%

Outros

9

17,0%

Confirmação laboratorial

 

 

Sim

27

50,9%

Não

26

49,1%

Encerramento

 

 

Cura

23

43,4%

Abandono

1

1,9%

Óbito por TB

4

7,6%

Transferência

10

18,9%

Ignorado/em branco

15

28,3%

Fonte: SINAN Net local/Serviço de Epidemiologia-HFSE.

Ao todo, 30 casos ocorreram com profissionais do HFSE (56,6%), 15 com profissionais de outros locais (28,3%) e 8 não possuíam qualquer informação sobre local de trabalho (15,1%). Neste estudo não foi possível identificar os setores hospitalares de maior ocorrência de casos, mas a literatura refere maior exposição nos setores de pneumologia, broncoscopia, urgência, anatomia patológica e laboratório de patologia clínica, pediatria e cirurgia. O perfil dos casos em profissionais do HFSE não apresentou mudanças importantes em relação ao total de casos no período. Neles, a idade variou de 21 a 71 anos, com média de 46 anos (DP±15,9), 60,0% eram do sexo feminino, 20% brancos, 66,7% tinham ensino superior completo e 16,7% ensino médio completo. Em relação à categoria profissional, 14 eram médicos (46,7%); oito auxiliares/técnicos de enfermagem (26,7%); cinco enfermeiros (16,7%). Houve confirmação laboratorial em 16 (53,3%); os demais 14 (47,7%) iniciaram tuberculostático empiricamente. No que diz respeito à forma da tuberculose, 18 apresentaram a pulmonar isolada (60,0%); três extrapulmonar (10,0%) e nove pulmonar com extrapulmonar associada (30,0%).

Dentre os profissionais do HFSE nenhum apresentou infecção pelo HIV, porém, 11 não foram testados, o que representa 36,6% dos casos do hospital. A situação de encerramento foi cura para 16 casos (53,3%), abandono em um caso (3,3%) e óbito por tuberculose em um caso (3,3%).

Ainda que a tuberculose seja uma doença conhecida, deve ser reiterada a necessidade das atividades de educação permanente em saúde para a atualização dos profissionais, ações estas previstas pelo SUS.

É importante que sejam estabelecidos fluxos para a rápida detecção e precaução de pacientes bacilíferos, como a busca ativa de pacientes sintomáticos respiratórios e seu monitoramento. Além disso, podem-se tomar outras medidas como: reduzir o tempo de permanência do paciente ao mínimo necessário; diminuir a quantidade de pacientes nas salas de espera, especialmente em serviços onde sejam frequentes pacientes com imunossupressão, crianças menores de cinco anos de idade ou idosos; investigar indicadores relacionados à detecção de novos casos e início do tratamento; dentre outros. Em relação aos fatores ambientais, é prezada a utilização de ventilação natural, ventiladores, exaustores e filtros HEPA (exigindo manutenção a cada seis meses). Além disso, a disponibilização de quartos de precaução respiratória é fundamental. Também devem ser distribuídas respiradores N95 ou a peça semi-facial filtrante-PFF2 para cada profissional e familiar que entre em contato com pacientes sintomáticos respiratórios.

Conclusões: A infecção por tuberculose em profissionais de ambientes de assistência à saúde pode estar relacionada à exposição ocupacional. Tendo em vista este cenário, colocar em prática as medidas preconizadas pelo Ministério da Saúde e pela OMS para a interrupção da cadeia de transmissão da tuberculose é fundamental para que as metas para redução mundial da ocorrência deste agravo sejam alcançadas. Além do fato de ser uma doença evitável e curável, ela causa impactos econômicos e sociais no planejamento de ações e na destinação de recursos públicos. No âmbito hospitalar, é necessária a ampliação das discussões sobre biossegurança, na gestão e na clínica, para que sejam estabelecidas estratégias de controle mais eficazes e para que os profissionais reconheçam a importância de seu papel na prevenção individual e coletiva.


 


Vigilância Epidemiológica

Distribuição dos casos suspeitos de agravos de notificação compulsória notificados pelo Serviço de Epidemiologia/HFSE – janeiro a junho de 2019

Agravo

Feminino

Masculino

Total1

Criança

Adolesc.

Adulto

Criança

Adolesc.

Adulto

Meningites

26

7

56

38

14

72

213

AIDS/Infecção assintomática pelo HIV

1

28

97

0

1

18

145

Hepatites virais

2

0

62

2

1

62

129

Gestante soropositiva ao HIV

0

20

126

0

0

0

146

Criança exposta ao HIV

53

0

0

76

0

0

129

Sífilis adquirida (exceto em gestante)

0

3

26

0

1

45

75

Tuberculose

2

1

21

2

4

33

63

Febre amarela

0

0

0

0

0

1

1

Acidentes de trabalho2

0

0

50

0

0

13

63

Síndrome respiratória aguda grave

17

2

4

26

2

1

2

Dengue/Febre de chikungunya

1

6

72

3

5

39

126

Sífilis em gestante

0

7

19

0

0

0

26

Sífilis congênita

14

0

0

19

0

0

33

Coqueluche

1

0

0

0

0

0

1

Violência interpessoal/autoprovocada

2

0

4

3

0

1

10

Doença neuroinvasiva por arbovírus

0

0

8

2

2

8

20

Doença falciforme

0

0

1

1

1

1

4

Leptospirose

0

0

1

0

1

12

14

Leishmaniose visceral

0

0

0

1

0

0

1

Exantema em gestante

0

0

7

0

0

0

7

Microcefalia

0

0

0

1

0

0

1

Intoxicação exógena

1

0

1

0

0

0

2

Malária

0

0

2

0

0

0

2

Paralisia flácida aguda/poliomielite

0

0

0

1

0

0

1

Toxoplasmose congênita

2

0

0

2

0

0

4

Toxoplasmose gestacional

0

0

5

0

0

0

5

Rubéola

0

0

2

0

0

0

2

Doença de Chagas

0

1

2

0

0

5

8

Esporotricose

0

0

1

0

0

1

2

Rubéola congênita

1

0

0

0

0

0

1

Hanseníase

0

0

0

0

0

2

2

Tétano acidental

0

0

0

1

0

1

2

Total

123

75

567

178

32

315

1240

Criança: £ 12 anos; adolescente: 13 a 19 anos; adulto: ³ 20 anos. 1Exclui 16 casos com sexo/idade ignorado: 06 meningites; 2 dengue/febre de chikungunya; 3 hepatites virais; 2 sífilis congênitas; e 3 crianças expostas ao HIV. 2Inclui 34 acidentes com exposição a material biológico. Fonte: SINAN e NC - Serviço de Epidemiologia/HFSE. Dados sujeitos a revisão.

 

Expediente

Direção Geral do Hospital Federal dos Servidores do Estado – Wladimir Cortezzi

Coordenação Assistencial - Antônio José de Souza Cypriano Neves

Chefia do Serviço de Epidemiologia - Claudia Caminha Escosteguy

Elaboração - Serviço de Epidemiologia/HFSE; residentes de Saúde Coletiva Renata Queiroz Ramos e Rafael Ostrovski; estagiários de Saúde Coletiva/UFRJ: Brenda Cristine Fernandes de Almeida e Pedro Willian Marques de Oliveira.

Hospital Federal dos Servidores do Estado - http://www.hse.rj.saude.gov.br

Tel: (21) 2291-3131 Ramal 3235. E-mail: epidemiologia@hse.rj.saude.gov.br