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Brasil, Luciano Moraes
As fraturas podem ser classificadas de vários modos:
As fraturas são ditas expostas quando os tecidos moles sobrejacentes foram rompidos, expondo a fratura ao ambiente exterior, ou fechadas quando a pele ainda está intacta. Quanto ao mecanismo de lesão, podem ser causadas por traumatismo direto ou indireto, sendo que neste último grupo, estão as fraturas por estresse.
Embora, a maioria das fraturas, ocorre pelo resultado de um episódio único, por uma força suficientemente poderosa para fraturar osso normal, há dois tipos de fraturas nas quais isso não ocorre : fraturas patológicas e de fadiga ou esforço. Uma fratura patológica é aquela na qual um osso é quebrado através de uma área enfraquecida por uma doença preexistente, por um grau de esforço que teria deixado intacto o osso normal.
Em relação ao esporte, além do talento individual, faz parte das prerrogativas, para a obtenção do sucesso, o treinamento físico planejado. Atletas, tanto amadores quanto profissionais, dedicam horas de sua preparação aos exercícios físicos e sentem que, com o aprimoramento da forma física, tendem a adquirir um melhor desempenho na sua modalidade esportiva. E as fraturas por estresse são eventos secundários a vários dias de treinamento intenso, associado ao aumento da carga de trabalho. Logo o osso, como outros materiais, reage ao carregamento repetido. Ocasionalmente ele fatiga e desenvolve uma fenda, que pode levar a uma fratura completa ou a uma fratura por estresse.
Do mesmo modo que o metal submetido a esforços repetidos falhará, isso acontecerá com o osso. Fraturas de fadiga são vistas mais comumente em instalações militares onde são exercitados recrutas desacostumados à atividade vigorosa. Essas fraturas também são vistas em atletas treinados justamente por trabalharem quase sempre próximo aos seus limites. Farnel, acredita que um fator chave nas fraturas de esforço é a fadiga muscular, que conduz ao carregamento anormal dos ossos. Esta proteção do esforço é perdida quando a ação muscular não é mais ótima. É provável que esse também seja um fator a considerar, nas fraturas por estresse, no idoso.
Carter e Hayes examinaram amostras de osso cortical que foram fraturadas por um único carregamento flexional e as compararam com espécimes de fadiga flexional. O padrão de fratura foi semelhante em ambos os grupos: uma fratura transversa formou-se no lado da tensão e uma fratura oblíqua no lado da compressão. Entretanto a superfície da fratura oblíqua foi muito maior nos espécimes de fadiga
As amostras que não fatigaram até a fratura completa mostraram dano microscópico difuso.
O carregamento repetido causou uma perda progressiva de rigidez, uma diminuição na força de cessão, e um aumento na deformação permanente e na histerese. O dano foi mais acentuado no lado compressivo, onde houve fissuramento oblíquo e divisão longitudinal. O dano no lado da tensão foi mais sutil e consistiu principalmente em separação nas linhas de cemento e nas conexões de cemento interlamelares.
O osso, quando testado no laboratório, não possui limite de resistência e afinal falhará quando submetido a ciclos suficientes. Porém o osso in vivo, diversamente dos outros materiais, possui a propriedade de auto-reparação, de modo que repouso e proteção de esforço permitirão que essas fraturas se consolidem. De fato, foi sugerido que a lei de Wolff poderia ser dependente da consolidação de microfraturas de esforço, assim trazendo suporte às regiões de maior esforço. A resistência do osso é dependente da densidade do osso, do seu conteúdo mineral e da qualidade e quantidade de colágeno.
As fraturas por estresse são fraturas parciais ou completas, em um osso normal ou anormal, que resultam de ciclos repetidos de carga, com forças menores que aquelas aplicadas a um osso em uma única situação aguda de carga suficiente para fraturá-lo.
Dois tipos de fratura, por estresse, podem ser reconhecidos: uma fratura por fadiga, resultante da aplicação de um estresse anormal ou torque em um osso com normal resistência elástica; e uma fratura por insuficiência, ocorrendo quando um estresse normal é aplicado em um osso com deficiência na resistência elástica.
Enquanto as fraturas por estresse são comuns devido ao "overuse" em atletas, a sua exata incidência, nas diferentes populações esportivas, não é bem documentada, devido a falta estudo epidemiológico. Tanto as fraturas por fadiga como as por insuficiência podem ocorrer, em um mesmo indivíduo, se um estresse anormal for aplicado sobre um osso anormal. As fraturas, por fadiga, freqüentemente têm algumas características marcantes: a atividade é nova ou diferente do usual; a atividade é vigorosa; e a atividade é repetida com uma freqüência que ultimamente produz sinais e sintomas. Um exemplo típico é a fratura, por fadiga, em membros inferiores de atletas, corredores e dançarinas, que através de esforço vigoroso podem produzir infrações semelhantes àquelas em locais adicionais. As causas das fraturas por insuficiência são diversas e incluem osteoporose, artrite reumatóide, doença de Paget, hiperparatireoidismo, osteodistrofia renal, osteopetrose, osteogênese imperfecta, displasia fibrosa, osteomalácia e irradiação.
É verificado que as mulheres têm um número desproporcional de fraturas, por estresse, comparadas com os homens. Este risco aumenta quando a carga de treinamento é gradualmente aumentada mesmo para níveis moderados. Possíveis explicações para esse achado podem ser encontradas :
Entretanto, uma grande diferença não é necessariamente vista na população de atletas. Estudos demonstraram uma comparação direta sobre as fraturas, por estresse, em atletas masculinos e femininos e verificaram não haver diferenças ou haver apenas um risco maior para as mulheres. É possível que durante a participação em esportes as mulheres possam modificar seus níveis de atividade para compensação.
Algumas controvérsias existem a respeito da etiologia das fraturas por estresse. Burr et al., através de suas observações, sugeriram que uma carga crônica sozinha criaria microfraturas em um osso, que se acumulariam e, finalmente, iriam coalescer na forma de fraturas por estresse. Porém é improvável que um tecido ósseo sadio acumule graus de microfraturas até o ponto de uma fratura macrocortical, que provavelmente é abaixo da carga fisiológica. Entretanto, microfraturas podem ocorrer como conseqüência da redução da resistência tissular que ultrapassam a capacidade de remodelação em um osso porótico.
A seqüência de remodelação óssea começa aproximadamente 5 dias após a estimulação com 30 a 45 dias de ação osteoclástica. Após 30 dias de estimulação, os osteoblastos começam a preencher espaços reabsorvidos com nova matriz óssea. A remodelação óssea demora um período aproximado de 180 dias, durante o qual há um período passageiro no qual há um incremento na remodelação óssea. Este período representa uma época substancial em que o osso é relativamente porótico.
A localização pode ser diversa. Alguns poucos exemplos podem estar incluídos na tabela abaixo :
| Localização | Atividade |
|---|---|
| Sesamóides dos metatarsos | Posição fixa prolongada |
| Diáfise dos metatarsos | Marcha atlética; salto com vara; posição fixa prolongada; ballet; pós-operatório de joanete |
| Navicular | Salto com vara; marcha; corredores de longas distâncias |
| Calcâneo | Saltadores; pára-quedistas; posição fixa prolongada; imobilização recente |
| Tíbia - terço médio e distal - terço proximal | Corredores de longa distância; Corredores |
| Fíbula - terço distal - terço proximal | Corredores de longa distância; Saltadores; pára-quedistas |
| Patela | Corredores de provas com barreiras |
| Fêmur - diáfise - colo | Balet; corredores de longas distâncias; marcha atlética; corredores de longas distâncias; ginastas |
| Pelve - forame obturatório | Agachamentos; praticantes de boliche; ginastas |
| Vértebras lombares | Ballet; levantamento de pesos |
| Processo espinhoso de vértebras Cervicais baixas e Torácicas altas | Escavadores |
| Costelas | Golfistas; carregadores de grandes pesos |
| Clavícula | Judocas; esquiadores |
| Processo coracóide da escápula | Atiradores; motoristas de caminhão |
| Úmero | Arremessadores; tenista; arremesso de dardo; levantamento de pesos |
| Ulna - processo coronóide - diáfise | Arremessadores; atletas em cadeiras de roda; jogadores de vôlei, beisebol,boliche |
| Gancho do hamato | Carregador de tacos de golfe; tenistas; receptores no beisebol |
| Metacarpos | Tenistas; arremessadores de softbal |
A história de um paciente com fratura por estresse é tipicamente de uma dor de início insidioso relacionado a alguma atividade. Inicialmente, a dor vai usualmente ser descrita como de moderada intensidade que ocorre após uma quantidade específica de exercícios. Se o paciente continua o exercício, a dor vai se tornando mais severa ou ocorre em um estágio precoce do exercício. A dor pode aumentar, eventualmente dependendo da quantidade e qualidade de performance no exercício, ou forçar o abandono de tal atividade. Em estágios iniciais, a dor usualmente melhora após o exercício. Entretanto, com a continuidade do exercício e o aumento da severidade dos sintomas, a dor pode ser persistente depois do exercício. Dor noturna pode eventualmente ocorrer. /p>
Tão importante quanto a obtenção da história sobre a dor do paciente, também é determinar os fatores predisponentes. Em particular, devemos ficar atentos quanto à mudança de nível nas atividades, como um aumento na quantidade de treinamento, na intensidade de treinamento, mudança de superfícies, equipamento e técnicas. É necessário obter informações com o técnico ou treinador. Atenção deve ser dada ao histórico de lesões músculo- esqueléticas, estado geral de saúde, medicamentos e hábitos pessoais.
No exame físico as mais claras características são localizadas. Obviamente, é fácil determinar características em ossos que são relativamente superficiais. É importante precisar, através de palpação, as áreas afetadas, particularmente em regiões como o pé onde há um grande número de ossos e articulações em uma área pequena. Ocasionalmente, sinais inflamatórios podem estar presentes nos locais de fraturas por estresse. Percussão de ossos longos pode resultar de dor em pontos distantes da percussão. A amplitude de movimento não é usualmente afetada exceto quando a fratura por estresse acontece em uma região intrarticular, como o colo do fêmur. Tipos específicos de fraturas por estresse podem associar-se a testes clínicos especiais.
As radiografias têm pouca sensibilidade mas alta especificidade no diagnóstico dessas fraturas. Invariavelmente, na maioria das radiografias não há obvias anormalidades. Normalmente, as anormalidades radiográficas não acompanham o início dos sintomas somente sendo evidentes após 2-3 semanas. Em certos casos, elas só podem ser evidentes após 3 meses, e algumas vezes nunca parecem anormais.
A cintilografia óssea supera a radiografia em demonstrar fraturas por estresse, sendo raramente necessário uma investigação adicional. O esquadrinhamento ósseo é virtualmente 100% sensível, ultrapassando o raio x, o ultra-som, a termografia e a tomografia computadorizada. As alterações na cintilografia óssea estão presentes de forma mais precoce, 48 a 72 horas após a injúria óssea. A grande desvantagem é sua baixa especificidade pois a fratura propriamente dita não é visualizada, e pode haver dificuldades em precisar seu sítio. Em virtude de sua pouca especificidade, ela pode ser positiva em outras condições não traumáticas, como tumores, osteomielite, necrose óssea e displasias ósseas.
A tomografia computadorizada pode ser utilizada para aumentar a certeza diagnóstica associada à cintilografia óssea em mínimas fraturas por estresse, assim como para orientar o tratamento. Ela também tem validade em detectar linhas de fratura em ossos longos quando a radiografia plana é normal e a cintilografia é inconclusiva.
A ressonância nuclear magnética não permite um bom exame de imagem para o osso cortical como a tomografia computadorizada, mas tem certas vantagens, em termos de imagens, nas fraturas por estresse. É Importante no diagnóstico diferencial com outras patologias.
A base do tratamento das fraturas por estresse envolve um conceito de "repouso relativo". A duração do tempo decorrido entre o diagnóstico de uma fratura por estresse e o retorno completo ao esporte, dependem de um número de fatores que incluem: o local da fratura, a duração dos sintomas e o espectro de lesão óssea. A maioria das fraturas, com uma curta história, vão ficar curadas sem dificuldades e possibilitar o retorno ao esporte entre 6 e 8 semanas. Porém, há um grupo de fraturas, por estresse, que requer um tratamento adicional ao repouso relativo.
O objetivo inicial no tratamento das fraturas por estresse é o controle da dor. Isso envolve o uso de medicamentos analgésicos e anti-inflamatórios não esteróides. Em alguns casos, onde a atividade diária é extremamente dolorosa, pode ser necessário a retirada de carga total ou parcial através de uso de muletas por um período de 7 a 10 dias.
O retorno as atividades poderá ser modificado de acordo com os sintomas e os achados físicos. O atleta deverá ser reavaliado em intervalos regulares. Quando as atividades diárias estiverem livres da dor deverá ser programado o retorno gradual à atividade esportiva. O progresso poderá ser clinicamente monitorizado pela presença ou ausência de sintomas e sinais locais.
É importante que o atleta com uma fratura por estresse mantenha a resistência e o condicionamento cardiovascular enquanto passa por um apropriado programa de reabilitação. Os métodos mais comuns são ciclismo, natação e exercícios em piscina. É fundamental o acompanhamento de uma equipe multidisciplinar composta por médicos do esporte, fisioterapeutas, nutricionistas e psicólogos, entre outros.
No tratamento, além de tratar a fratura por estresse, devemos, na medida do possível, atuar sobre os fatores de risco com a intenção de prevenir futuras lesões. Entre eles podemos citar:
O mais importante desses fatores precipitantes diz respeito, provavelmente, a erros de treinamento. É importante identificá-los e discuti-los com o atleta e, quando apropriado, com o treinador. Outro importante fator contribuinte trata-se de equipamentos inadequados, especialmente os calçados. Enquanto a maioria das fraturas por estresse evolui sem maiores complicações, em um tempo relativamente curto, há tipos de fraturas que requerem um tratamento adicional específico. Estes incluem: do colo femoral, do terço médio da tíbia, o navicular, o quinto metatarso ou fratura de Jones e, da base do segundo metatarso.
As fraturas por estresse representam a fase final de um processo evolutivo que começa com um desequilíbrio dos limites fisiológicos do corpo. Por condições, enfrentadas por atletas tanto do sexo masculino como feminino, sendo mais comuns nos membros inferiores em relação a membros superiores e esqueleto axial. A maioria das fraturas por estresse é diagnosticada através da completa história clínica e exame físico do paciente, com o importante auxílio da cintilografia óssea, quando necessário. Em geral tem bom prognóstico e seu tratamento deve visar sempre a reabilitação precoce juntamente com retorno gradual à atividade esportiva. A melhor abordagem para esse tipo de fraturas é a sua prevenção. Isso pode ser feito mediante o controle do treinamento e dos fatores de risco para sua ocorrência, utilizando-se métodos científicos de prescrição e monitorização.
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