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Milena Rego dos Santos;
Romário Leite Pontes
Antonio Carlos Miranda de Carvalho
José Carlos Brant Seggia
Apresentam dois casos de alterações neurológicas relacionadas à cocaína e a adultos jovens e do sexo masculino. Um apresentou cefaléia intensa parieto-occipital, hemianopsia homônima direita e hipertensão leve. Submetido à tomografia computadorizada de crânio, ressonância nuclear magnética e campimetria, demonstrando lesão hipodensa occipital esquerda e assimetria de hipocampos com volume reduzido. O outro paciente, apresentou quadro de parestesia no dimídio esquerdo, cefaléia fronto-occipital moderada, disgrafia e alterações do raciocínio lógico. Em ambos não houve regressão do quadro neurológico. Há associação do uso de cocaína com eventos cerebrovasculares em indivíduos jovens.Uma minuciosa história e pesquisa toxicológica deve constar da avaliação de pacientes jovens com alterações neurológicas. Necessária intervenção apropriada para prevenir lesões encefálicas irreversíveis.
Palavras chaves: AVC e cocaína, doença cerebrovascular.
Two cases are presented of neurological findings correlated to cocaine. The chronic use of cocaine is associated to cerebrovascular injuries. The two patients analyzed were young adults and males. One of then presented intense headache occipito-parietal, right hemianopsia homonymous and systemic hypertension. Submitted to computerized tomography, magnetic resonance and campimeter, demonstrating ischemic injury in the left occipital and assimetry hippocampal with volumetric reduction. The other presented left hemiparesthesia, moderate headache occipito-frontalis, dysgraphia and disfunction of logic reasoning. In both patients there was not regression of the neurological findings.There is a strong association of the use of cocaine and cerebrovascular events in young people.A thorough history focusing on the use of drugs and toxicologic screening should be part of evaluation of any young patient with neurological findings. An appropriate intervention is necessary to prevent irreversible encephalic injuries.
KEYWORDS :stroke and cocaine, cerebrovascular injuries.
Lesões cerebrovasculares são descritas em usuários de cocaína. Relatamos dois casos de pacientes usuários de cocaína que evoluíram com manifestações neurológicas, atendidos no Serviço de Neurologia do Hospital Servidores do Estado.
Caso 1: C. A .A. , 41 anos, pardo. Etilista e tabagista apresentou crises parestésicas episódicas no dimídio esquerdo, associadas à cefaléia pulsátil fronto-occipital de intensidade moderada e sintomas digestivos . Refere um episódio de hemiparesia esquerda transitória com duração inferior a 24 horas. Questionado o diagnóstico de ataque isquêmico transitório. Usuário crônico de cocaína via inalatória em grande quantidade. Nota lentificação do raciocínio lógico, lapsos de memória e disgrafia. Exame físico incluindo análise neurológica sem anormalidades. Tomografia computadorizada e ressonância magnética de crânio e eletroencefalograma não demonstraram alterações significativas, exceto por uma discreta redução da substância branca do lobo frontal. Iniciou pizotifeno. Teve bom controle da cefaléia. O uso da cocaína foi completamente interrompido. Persistiram entretanto os surtos de parestesia do dimidio esquerdo.
Caso 2: F. L., 42 anos, branco. Tabagista e etilista social referia cefaléia parieto-occipital de forte intensidade associada à hemianopsia homônima direita. Hipertensão arterial (grau leve). Tomografia computadorizada revelou lesão hipodensa occipital esquerda. Ressonância nuclear demonstrou lesão cortiço-subcortical na região occipital esquerda e assimetria dos hipocampos com volume reduzido, e ectasia do corno temporal do ventrículo lateral ipsolateral Usou anti-hipertensivo, alprazolam e anti-agregante plaquetário. Não houve regressão da hemianopsia.
A cocaína é um alcalóide extraído do arbusto Erytroxylon coca . Há diferentes formas de apresentação e vias de administração ( intranasal, intravenoso, oral, fumada, intramuscular, sublingual, vaginal e retal). Sua absorção é rápida. Vida média de uma hora. É metabolizada pela colinesterase plasmática e hepática. Os seus metabólitos são encontrados na urina em um período de até 48 horas após seu consumo. Devido à sua característica lipofílica, atravessa rapidamente a barreira hemato-encefálica, justificando seus efeitos no Sistema Nervoso Central (SNC).
Tem diversas ações farmacológicas : anestésico local, estimulante do SNC, através do bloqueio da recaptação pré-sináptica de catecolaminas e serotonina. e conseqüente excesso de neurotransmissores na fenda sináptica em várias regiões cerebrais, em especial na estrutura límbica. A ativação do Sistema Nervoso Simpático (SNS) gera vasoconstrição, aumento agudo da pressão arterial e taquicardia, predispondo às arritmias cardíacas e crises convulsivas. O s efeitos crônicos da cocaína incluem a depleção de dopamina no núcleo caudado e lesões microvasculares.
Devido aos dados fisiopatológicos o uso da cocaína está relacionado à eventos cerebrovasculares. As manifestações neurológicas incluem: acidente vascular encefálico (AVE), isquêmico e hemorrágico, atrofia cerebral, encefalopatia, cefaléia de intensidade, qualidade e localização variáveis (a enxaqueca é comum) e manifestações psiquiátricas: disforia , agitação, exaltação, depressão, idéias suicidas, psicose, alucinação.
A associação de crises convulsivas e cocaína foi descrita pela primeira vez em 1922 por Pulay, assim como AVC e cocaína em 1977 por Burst, dentre muitos outros relatos. O evento vascular pode ser de origem isquêmica de grandes ou pequenas artérias ou hemorrágica ( mais freqüente), que decorre de hemorragia subaracnóide (ruptura aneurismática), hemorragia intraparenquimatosa, malformação vascular. A perda da consciência relaciona-se à arritmias cardíacas ou à estimulação adrenérgica, ocorrendo no período de minutos até doze horas após o consumo da droga, freqüentemente associada às vias de administração venosa e inalatória. Uma das complicações comuns é a crise convulsiva, sua freqüência variando de 2,3 a 8,4 %. A relação temporal entre o uso da droga e o quadro clínico variável ( 24 h até 7 dias). A psicose aguda cursa com alteração eletroencefálica, como o aumento da onda teta na área temporal com predomínio à esquerda, persistente, sustentando a teoria de seqüela neurológica.
Os dados evidenciam a relação do consumo de cocaína e o desenvolvimento de doença cerebrovascular. História clínica completa incluindo a pesquisa toxicológica dever-se-a obter na avaliação de pacientes jovens. As complicações neurológicas ocorrem tanto em consumidores ocasionais como em habituais, podendo aparecer precoce ou tardiamente ao consumo.
O mecanismo de lesão é multifatorial: vasoespasmo-trombose, embolia de origem cardíaca, trombogenici-dade, inflamação. Como potente vasoconstritora, a co caína atua na musculatura lisa vascular através de 2 mecanismos : indiretamente inibindo a recaptação de catecolaminas e serotonina e diretamente atuando sobre o fluxo de cálcio nos canais de sódio, culminando em vasoespasmo e conseqüente evento isquêmico. Na circulação cerebral a cocaína pode atuar de forma vasoconstritora ou dilatadora, dependendo dos receptores pós sinápticos de cada território arterial ativados e também da dose empregada.
O aumento abrupto da pressão arterial após a administração de cocaína contribui para a lesão endotelial, relacionando-se com a presença de infarto na região subcortical, nutrida pelos ramos lenticuloestriados, que são mais sensíveis aos efeitos da hipertensão arterial. Por outro lado, a cocaína tem também um efeito trombogênico direto, através do aumento do tromboxane A2 e da inibição da prostaciclina e antitrombina III.
Sabe-se que essa droga está implicada na produção de miocardiopatia dilatada, arritmias e isquemia miocárdica, que por sua vez são fontes de êmbolos para a circulação cerebral.
Analisando todas essas informações, conclui-se que o uso da cocaína é fator de risco cerebrovascular em especial para adultos jovens. Assim uma anamnese minuciosa deve ser colhida e o screening toxicológico é uma arma importante, devendo fazer parte da propedêutica clínica.
É essencial que os esforços se voltem para a prevenção do uso da droga, uma vez que instalada a lesão, o processo pode ser irreversível, com seqüelas sérias e incapacitantes, atingindo uma população jovem economicamente ativa, tendo um grande impacto sócio- econômico.
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