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Almir Góes Dias
Esta nova especialidade médica, teve início e desenvolvimento pela iniciativa do emérito e empreendedor, o Dr. Eduardo Vaz, quando fundou o primeiro Banco de Sangue em São Paulo, o que aliás, era de início, Banco de Plasma. Aqui no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, graças aos esforços do Dr. Mário Olinto, Diretor do Instituto Nacional de Puericultura (hoje Instituto Fernandes Figueira), que logo compreendeu a importância de um Banco de Sangue para a Instituição e também atendendo ao solicitado esforço de guerra, enviando plasma humano para os Hospitais da frente de combate na Itália. Foi então que Mário Pereira de Mesquita e Vera R. Leite Ribeiro, foram autorizados pelo Diretor a montar o novo Serviço, o segundo do País.
Por falta de recursos financeiros no Instituto, Dr. Mesquita solicitou os favores do industrial Francis Heime, que logo mostrou sua filantropia e generosamente custeou a instalação do Serviço, o qual foi inaugurado em 07/12/42 e criou inclusive uma verba mensal para sua manutenção. Utilizando literatura norte americana e material em parte nacional, logo conseguiram alto padrão técnico.
O aliciamento de doadores exigia ampla divulgação. Esta ficou a cargo de um Serviço de Secretaria instalado no 7º andar do prédio da Companhia Sul-América de Seguros, onde Dr. Mesquita chefiava o Serviço Médico. Passado algum tempo, esta Secretaria, que fazia também a "contabilidade do sangue", juntou-se ao próprio Banco de Sangue. Neste contexto, desde o início destacou-se Raimundo Muniz de Aragão, por sua capacidade técnica e sua colaboração.
Em colaboração ao esforço de guerra o Serviço enviou 24 unidades de plasma, que foram transfundidas em "pracinhas" da Força Expedicionária Brasileira, na Itália.
Seleção de doadores: O exame clínico era feito por José Magalhães de Carvalho, Newton Potsch e Eliezer Zagury, alternadamente. A seleção constava de: exame radioscópico, a cargo do Corrêa Nunes e do Mário Mascaro; dosagem da hemoglobina, pelo hemoglobinômetro de Dare, por comparação visual à um padrão. Motivos que adiavam a doação: hipotensão, rinofaringite, bronquite, micoses, eczema, urticária, cardiopatias, arritmias cardíacas, dispepsias, varizes ulceradas, abscessos dentários, anemias e pessoas menores de 18 anos. Motivos de recusa: veias inacessíveis, cardiopatias, hipotensão, taquicardia, urticária, tuberculose (inaparente), lues, impaludismo, reumatismo, etilismo e idade além dos 60 anos.
A colheita do sangue era feita pelos médicos Gabriel Navarro Fagundes e Hélio de Martino, retirando-se um volume de sangue já de 10% da volemia do doador. A determinação do grupo sangüíneo era feita pelos acadêmicos, Aparecida Gomes Pinto, Felipe Sayeg, Orlando Araújo e Paulo Rosa, pela técnica Beth-Vicent, em lâmina. Note-se, não se cogitava das hepatites, a única prova sorológica de laboratório era a reação de Wassermann feita pelo Dr. Giacomo Raja Gabaglia.
O preparo e recuperação dos equipos de colheita, transfusão e fracionamento eram minuciosamente bem feitos pela auxiliar de enfermagem, Iris de Oliveira Cardoso. Dª Rosa, outra auxiliar de enfermagem, ajudava na colheita e servia o lanche aos doadores. A Sra. Maria Henriqueta era a secretária que se desempenhava com êxito, inclusive do difícil aliciamento de doadores.
Técnica de colheita: Era feita a vácuo, a princípio em frascos de 700 ml e posteriormente em frascos de 600 ml, fabricados pelo Laboratório Raul Leite, tendo graduadas 2 escalas em sentido inverso, de 50 a 50 ml. O anticoagulante usado era o citrato de sódio simples a 5%, 50 ml para 450 ml de sangue (Johns Hopkins Hospital). Após a colheita, retirada a agulha da veia do doador, o algodão era retirado após alguns minutos, colocava-se uma gota de colódio protetor sobre a cicatriz deixada pela agulha. Da amostra de sangue colhido fazia-se uma reclassificação no sistema ABO, e cada frasco de sangue recebia um número de acordo com o seu grupo sangüíneo. Dr. Mesquita, usando a classificação de Jansky (1907), transformou os algarismos romanos em arábicos, seguidos dos números de chegada de cada doador, isto é: 10.001; 20.001; 30.001 e 40.001. Maneira inteligente da chefia criar o número da doação e manter o número do grupo sanguíneo e também o número do doador. Assim por exemplo 49.999, voltava para 40.001, seguido de uma letra do alfabeto, começando pela última.
Este sistema de numeração passou a ser usado também no Banco de Sangue do HSE. Seu fundador e organizador foi o Dr. Mesquita. Sua última equipe no chamado Instituto Nacional de Puericultura também foi constituída da Dra. Vera, dos acadêmicos de medicina Paulo Rosa e Almir Dias, e da auxiliar de enfermagem Íris.
O frasco logo após a colheita era rotulado com esparadrapo de forma quadrada contendo: em cima o número do doador, ao centro a letra do grupo sangüíneo, em baixo a data da doação e no canto inferior as iniciais de quem colheu. No primeiro tempo o fator RH era desconhecido entre nós. Quando passamos a classificá-lo, escrevíamos o sinal + ou – ao lado da letra do grupo.
A conservação do sangue em geladeira, de 4ºC a 6ºC positivos, perdurava por 5 dias. Nota: o motor da geladeira era colocado fora do gabinete a fim de evitar a trepidação, o que causava hemólise. As transfusões eram feitas com sangue total, concentrado de hemácias ou com plasma. Este separado por decantação natural e aspirado a vácuo com agulha longa. O plasma para estoque era obtido da mistura de plasmas de grupos diferentes, o chamado "pool", a fim de neutralizar as aglutininas. As provas de laboratório semeadura em meio de Legroux – Assis, na pesquisa de espécies, eram aeróbicas e anaeróbicas e seus resultados eram calculados. Em 509 provas apenas 2 se mostraram contaminadas ou seja 0,34%. A prova de toxidez, pesquisa de substâncias químicas solúveis, era feita inoculando-se em cobaias, ratos ou camundongos, volumes de 0,5ml a 1ml, de acordo com o peso do animal, injetado por via peritonial. Ambas as provas eram observadas diariamente por 7 dias, com resultados sempre negativos de toxidez.
Material de colheita: Frasco de vidro neutro, rolha de borracha com virola, uma película para introdução do equipo de transfusão, por baixo um furo sustentava um tubo de vidro fino de Mariote onde se introduzia uma agulha, o suspiro. Ainda na rolha uma pequena cruz marcava o ponto de introdução da agulha do equipo de colheita. Uma tampa de metal cromado, rosqueada e aberta atarraxava por cima a rolha de borracha ao frasco. Um tubo de borracha látex (USA) com paredes reforçadas, medindo cerca da 50 cm, recebia em cada ponta um mandril (intermediário) de vidro com uma ponta esmerilhada, onde acoplava uma agulha grossa, de aço inoxidável. Estas agulhas eram protegidas por pequenos tubos de borracha que recebiam um pouco de algodão cardado no seu interior (proteção bacteriológica). Uma pinça de Hofmman, peça de metal cromado com parafuso que comprimia o tubo de borracha, vedava a passagem, graduando gota-gota por minuto na transfusão ou no jato contínuo da colheita do sangue do doador. As agulhas eram amoladas constantemente usando-se esmeril elétrico, e limpas por dentro com o auxílio de um arame.
Material de transfusão: O Equipo de transfusão constava de uma campânula de porcelana; uma tarraxa de metal cromado que apertava a campânula a uma peça de borracha com virola, com furo largo, de encontro ao tubo do gotejador, que media cerca de 12 cm de comprimento por 2 cm de diâmetro, com rosca na ponta. Esta peça de borracha sustentava por simples encaixe o filtro de tela dupla de metal banhada em prata, com cerca de 5cm de comprimento, de forma cônica, colocado dentro do tubo servia também de gotejador. Este tubo terminava em ponta, onde recebia a borracha "látex" (USA) de paredes delgadas medindo cerca de 1.20 cm. A outra extremidade recebia um mandril de vidro com ponta esmerilhada para a agulha de transfusão, também protegida com pedaço de borracha e algodão cardado.
Preparo do material: Quando sem uso, todo ele era fervido em bicarbonato de sódio, a fim de eliminar impurezas, tais como sais de enxofre, durante 20 minutos e fartamente enxaguado em água da torneira (algumas horas). Fervido em solução detergente por 20 minutos, em seguida lavado fartamente com água também da torneira. Depois ainda lavado com muita água destilada, com menos de 24 horas de preparada. Tudo ia para a estufa à 37ºC para secar. Cada equipo (colheita, transfusão ou fracionamento) era montado e embrulhado em pequenos pacotes, em gaze, em papel cristal, em papel pardo e finalmente amarrados com barbante. Autoclavados a 120ºC por 20 minutos, retirados e esfriados, eram então guardados livres da poeira, com validade de 5 dias. Fora deste prazo o trabalho voltava a ser feito a partir da lavagem com água destilada. Com este procedimento o índice pirogênio era de menos de 10%, como nos Estados Unidos.
Cabe aqui um pequeno estudo retrospectivo. A primeira transfusão de sangue foi realizada há vários séculos em paciente portador de psicopatia. Amarrado a uma cadeira recebeu sangue de cordeiro, pois se tratava de um animal dócil, cujo sangue teria a função de acalmar o paciente. Nesta transfusão foi usado um tubo colocado na veia do paciente e ligado a este, em funil no alto onde se colocava sangue (Séc. XVII). Como precursores no uso de autênticas transfusões devem ser lembrados, Lower na Inglaterra (1665) e Deoy's na França (1667).
Somente em 1907 graças ao Dr. Crile (USA) que, já conhecedor dos grupos sangüíneos, fazia transfusões grupo a grupo, quando o engenhoso Dr. Louis Joube (Paris) inventou uma seringa muito prática. Constava de um tubo de vidro embutido em um suporte de metal cromado. Em seu terço anterior havia dois pequenos tubos, um de cada lado, que recebiam um tubo de borracha com agulha, uma para o doador e outra para o receptor. Curioso era a forma do êmbolo, em sua extremidade distal havia uma pequena rampa onde, a partir desta, seguia um sulco de 2 mm de profundidade que atingia pouco mais da metade do êmbolo. Este era retido à seringa por uma tampa rosqueada, que deixava passar a haste, com alça para sua movimentação. Manejo: com o êmbolo totalmente a frente e a rampa voltada para o doador, aspirava-se o sangue, que fluía via rampa e sulco, num volume de 5 ml, com o êmbolo totalmente recuado. Dava-=se um giro de 180º ao êmbolo fazendo-se coincidir o sulco e a rampa com o tubo de saída, e logo se injetava o sangue na veia do receptor. Esta operação tinha que ser feita em poucos segundos, a fim de evitar em muito, a coagulação, apesar de seu pequeno volume. Esta aspiração e injeção eram feitas a custa da seção cilíndrica do êmbolo, em seu terço proximal, sem o sulco.
Naquela época havia nos USA uma seringa, também para transfusão braço a braço, mas que logo caiu em desuso, por seus vários inconvenientes. Uma capacidade de sangue muito grande de 30ml, que obrigava lentidão em seu manejo. Toda de metal; duas válvulas com diafragmas de borracha e molas, grande superfície de atrito, tudo condicionando a coagulação do sangue. Entre nós, preste-se uma homenagem, ao Dr. Affonso Cruvinel Ratto, que por seu dinamismo e mérito tornou-se, na sua época, o maior "transfusista" do Rio de Janeiro, que fazia com muita presteza, usando de início a seringa de Jaube, tendo assim salvo centenas de pacientes.
O preparo e recuperação dos equipos de colheita, transfusão e fracionamento eram minuciosamente bem feitos pela auxiliar de enfermagem, Iris de Oliveira Cardoso. Dª Rosa, outra auxiliar de enfermagem, ajudava na colheita e servia o lanche aos doadores. A Sra. Maria Henriqueta era a secretária que se desempenhava com êxito, inclusive do difícil aliciamento de doadores.
Aite-memoire: Ao Instituto Fernandes Figueira, pelos seus 75 anos de existência.
À Dra Maria Cristina Pessoa dos Santos, pelo fornecimento das valiosas publicações acima referidas (1 e 3).
Ao Prof. Dr. Roberto Eduardo Morteo pela colaboração técnica e literária.
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