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Vila Nova, Jaime - Médico Residente do Serviço de Urologia do H.S.E. - M.S. - R.J.
Muller, Valter - Orientador, staff do Serviço de Urologia do H.S.E. - M.S. - R.J.
Vaz, Fernando Pires - Orientador, Chefe do Serviço de Urologia do H.S.E. - M.S. - R.J.
O tension-free vaginal tape (T.V.T.) foi recentemente introduzido como técnica minimamente invasiva para I.U.E. feminina. Nosso objetivo é avaliar a eficácia do T.V.T. em pacientes com incontinência urinária de esforço.
Entre outubro de 1999 a janeiro de 2001, 48 pacientes portadoras de incontinência urinária de esforço, foram submetidas a tratamento cirúrgico com T.V.T. sob anestesia local ou raquianestesia. A avaliação pré-operatória incluiu história clínica, exame físico e urodinâmica. Trinta e quatro pacientes eram portadoras de incontinência tipo II, 14 pacientes com tipo III. A cirurgia foi considerada efetiva quando subjetivamente as pacientes consideravam-se curadas ou com melhora significativa.
A média de idade foi de 61,7, variando de 39 a 76 anos. O segmento das pacientes variou de 5 à 16 meses com média de 8 meses. Das 48 pacientes 22(45,8%) submeteram-se a anestesia local e 26(54,2%)a raquianestesia. Houve três perfurações de bexiga (6,25%). Quatorze (29,15) pacientes apresentaram retenção urinária no pós-operatório, 2 das submetidas a anestesia local e 12 das submetidas a raquianesrtesia.O tempo médio de internação foi de 17,87 e 10,72 horas para os pacientes submetidos a raquianestesia e anestesia local, respectivamente. Quarenta (83,3%) pacientes encontram-se curadas e 6 (12,5%) tiveram melhora significativa da incontinência urinária. Três (6,5%) pacientes apresentaram retenção urinária pôr um período superior a 15 dias. Em uma destas pacientes foi necessário cortar a fita.
O T.V.T. é uma técnica cirúrgica minimamente invasiva, segura e eficaz para tratamento da incontinência urinária de esforço. A anestesia local parece ser a melhor indicação na realização do procedimento.
A Incontinência Urinária de Esforço (I.U.E.) é considerada problema de saúde pública significativo devido sua alta prevalência na população feminina. Sua evidência varia bastante de autor para autor, pois depende do método diagnóstico (clínico ou urodinâmico) com que se faz o estudo (1). Dados do Departamento de Saúde americano evidênciam que esta doença atinge 15 a 30% da população feminina acima de 60 anos de idade. Apesar da alta prevalência apenas 54% dos pacientes com I.U.E. referem perda em uma consulta médica e 6% referem um importante desconforto (1).
A incontinência de esforço genuína é definida pela Sociedade Internacional de Continência como "a perda de urina através da uretra, causada por um aumento na pressão intra-abdominal, na ausência de contração do detrusor 20 2" (2). A incontinência urinária de esforço ocorre em duas situações distintas, podendo estas estar associadas: Incontinência anatômica e insuficiência uretral intrínseca. A Incontinência anatômica é provocada por fraqueza de sustentação vesical e hiper-mobilidade do colo vesical e da uretra, sendo esta a causa mais comum de incontinência urinária de esforço nas mulheres. A insuficiência uretral intrínseca é uma situação que, normalmente, não está relacionada a hiper-mobilidade, há lesão do mecanismo esfincteriano provocando uma incontinência de elevado grau (3).
A incontinência urinária é uma manifestação de diferentes doenças, portanto o tratamento deve ser diferenciado, não havendo uma técnica universal de cura para esta patologia. O maior avanço dos últimos anos foi dado no campo do diagnóstico da doença causadora da incontinência , obtendo-se melhores resultados com o tratamento. O Tratamento da incontinência urinária de esforço é predominantemente cirúrgico (4). Cerca de 150 técnicas já foram descritas para correção da incontinência urinária de esforço. Os resultado diferem-se não só no que concerne a cura, mas também à melhora clínica e a maneira como se faz o julgamento (5).
A primeira técnica descrita para correção da incontinência urinária de esforço compreendeu a transposição da musculatura, retirada da coxa, que deveria restaurar ou substituir a contração esfincteriana pelo músculo gracilis (1907). Em 1914, KELLY e DUM introduziram a plicatura da fáscia endopélvica para-uretral por via vaginal acreditando que a distensão da musculatura esfincteriana, elevação do assoalho vesical e estreitamento da luz uretral promoveriam a melhora da incontinência. Os resultados iniciais revelaram cura de 80%, com baixa morbidade e pronto restabelecimento médico. Durante muito tempo, essa foi a cirurgia de escolha para o tratamento de incontinência urinária de esforço. Em 1914, MARSHAL, MARCHETTI E KRANTZ, passaram a recomendar a fixação do colo vesical à sínfise púbica. Na sua série original, relataram cura em 82% (5).
Em 1952, procurando realizar uma cirurgia menos invasiva, PEREYRA propôs o levantamento do segmento uretrovesical através de agulhas, para o espaço suprapúbico. Foram relatados resultados iniciais bastante promissores de 90,9% de cura. Houve várias propostas de modificação da técnica, inclusive com a introdução por STAMEY da associação do cistoscópio para precisar a sutura para-uretral (5).
No início da década de 80, RAZ passou a recomendar uma ampla dissecção da fáscia endopélvica por incisão vaginal em U invertido, permitindo entrada no espaço de retro-púbico, colocado pontos na fáscia endopélvica, antes da passagem do fio para a região supra-púbica. Os resultados atingiram 96% de cura (6).
As técnicas de reposicionamento vesical por via abdominal são, no entanto, as cirurgias padrão para a correção da incontinência urinária, muitas vezes após tentativas inadequadas por via vaginal (5). BURCH propôs a fixação da parede vaginal ao ligamento de Cooper , com resultados de cura de 93% num seguimento de 10 meses a cinco anos (7).
A análise de resultado destas cirurgias, evidencia sucesso em torno de 70 a 80%, qualquer que seja a técnica empregada. Após avaliação por tempo prolongado, somente 30% das pacientes mantém-se continentes após observação de 12 anos (5). Vários autores revelaram excelentes resultados utilizando a suspensão uretral com fragmentos de fáscia (sling), atingindo sucesso na ordem de até 96% em seguimentos de até 10 anos. Utilizadas inicialmente no tratamento de disfunção esfincteriana, a colocação de "slings" tem se tornado método de escolha em todos os tipos de incontinência urinária de esforço em especial após o desenvolvimento do sling artificial tipo T.V.T.("Tension free Vaginal Tape") (4).
O T.V.T. foi descrito em 1996 por Ulmsten como uma nova técnica para tratamento da incontinência urinária de esforço. Ele utilizou uma faixa de polipropileno na uretra média, dando suporte a uretra impedindo a perda urinária (8). A colocação do sling em nível da uretra média é baseada no estudo anatômico e fisiopatológico dos mecanismos da continência uretral de Petros & Ulmsten.(9). A teoria que estes propõem é que o suporte uretral é melhor realizado na uretra média. Seus achados foram semelhantes com o estudo de Zaccharin, que defendia a função dos ligamentos pubouretrais anteriores para manutenção da continência (10). Com o objetivo de avaliar a eficácia do T.V.T. para tratamento da incontinência urinária de esforço, nós realizamos este procedimento em 48 pacientes e acompanhamos o pós-operatório.
Foram avaliados no período de outubro de 1999 a janeiro de 2001, 48 pacientes portadores de incontinência urinária de esforço (I.U.E.) tipo II ou III submetidas a correção cirúrgica pela técnica de Sling, com uso de T.V.T.. As pacientes foram triadas no ambulatório de urologia geral do Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro e encaminhadas ao ambulatório de uroginecologia, quando apresentavam queixa de I.U.E.. Estas eram submetidas a anamnese, exame físico direcionado e estudo urodinâmico.
Exame urodinâmico constituído de urofluxometria inicial, cistometria e estudo miccional, foram realizados em todas as pacientes. Durante o enchimento vesical a paciente era solicitada a realização de manobras de esforço. Foi avaliada a pressão de perda sob esforço (V.L.P.P.), sendo esta considerada a menor pressão abdominal capaz de provocar perda urinária detectada pelo exame visual. A complacência, presença de contrações involuntárias e estudo fluxo/pressão fizeram parte do estudo urodinâmico.
A I.U.E. foi classificada de acordo com a V.L.P.P. em três tipos:
Foram selecionadas para realização de T.V.T. as pacientes de incontinência urinária tipo II ou III. Todas as pacientes foram internadas, em jejum, no início da manhã do dia da cirurgia. Na indução anestésica foi utilizada 2g de cefazolina endovenoso. As pacientes foram submetidas ao procedimento sob anestesia local ou raquianestesia, com escolha aleatória. A raquianestesia foi realizada por um médico anestesista, sendo solicitada a este um bloqueio mais sensitivo que motor, abaixo do umbigo, ficando a técnica a critério deste. As pacientes submetidas a anestesia local foram sedadas com Midazolan no momento da introdução da agulha do T.V.T., e monitorizadas por um anestesista.
O bloqueio local foi realizado pelo cirurgião seguindo o seguinte protocolo:
O procedimento cirúrgico foi realizado seguindo o seguinte protocolo:
As pacientes submetidas a raquianestesia foram todas sondadas por um período máximo de 24h. As pacientes submetidas a anestesia local foram sondadas quando apresentaram retenção urinária. Quando houve perfuração vesical, durante o ato cirúrgico, as pacientes foram mantidas sondadas por 48h.
As pacientes foram revistas no pós-operatório na primeira, terceira e quinta semanas onde foram evidenciadas a evolução e complicações deste período, e avaliadas de 3 em 3 meses no primeiro ano e seis em seis meses no seguimento onde se avaliaram complicações tardias e resultado cirúrgico. A técnica foi considerada como efetiva quando a paciente considerou-se curada ou com melhora significativa. Foi considerada curada a paciente que durante o acompanhamento não relatava perda, e com melhora significativa quando em uma escala visual graduada de zero a 100 a paciente referia melhora igual ou superior a 70 pontos.
A média de idade das 48 pacientes foi 61,7 anos, variando de 39 a 76anos. Vinte e oito (58,3%) das pacientes já tinham sido submetidas a algum tipo de cirurgia para tratamento da I.U.E.. Uma paciente já tinha sido submetida a 4 cirurgias para I.U.E.. O tempo médio de acompanhamento foi de 8 meses, variando de 5 a 16 meses.
No estudo urodinâmico a V.L.P.P. variou de 25 a 89 cm H2O, com média de 69,41 cm H2O . Trinta e quatro (70,8%) das pacientes foram classificadas como portadoras de I.U.E. tipo II e 14(29,2) como tipo III. Três pacientes com I.U.E. tipo II e 3 pacientes com tipo III apresentavam contrações não inibidas.
Todas as pacientes foram submetidas a correção da I.U.E. pela técnica de sling com uso do T.V.T., sendo 22(45,8%) sob anestesia local e 26(54,2%) sob raquianestesia. O tempo médio de cirurgia foi de 31,95 minutos, sendo de 33,5 para as pacientes submetidas a anestesia local, variando de 27 a 45 minutos e 30,61 para as pacientes submetidas a raquianestesia, variando de 17 a 42 minutos.
Uma paciente apresentou sangramento durante o ato operatório porém não houve necessidade de transfusão ou intervenção. Houve 3(6,25%) casos de perfuração vesical, evidenciados durante a cistoscopia, 2 destas pacientes não apresentaram sangramento. Em todos, foi retirada a agulha e passada novamente. Estas pacientes foram mantidas sondadas por 48 horas não havendo qualquer complicação relacionada à perfuração vesical.
A média de permanência do uso de sonda vesical foi de 47,45 horas sendo de 11,8 para as pacientes submetidas a anestesia local, variando de zero a 48 horas e 78,15 para as submetidas e raquianestesia, variando de 12 a 360 horas. Quatorze (29,15%) pacientes do total fizeram retenção no pós-operatório sendo 2(9%) das pacientes submetidas a anestesia local e 12(46,15%) das pacientes submetidas a raquianestesia. Três pacientes apresentaram retenção urinária prolongada, todas submetidas a raquianestesia. Duas destas pacientes foram mantidas sondadas por 160 horas evoluindo com normalização da micção. A outra paciente fez retenção urinária por 15 dias, sendo necessário cortar a fita de Prolene. Esta paciente encontra-se curada da I.U.E., urinando espontaneamente. O tempo médio de internação foi de 17,87 horas variando de 4 a 24 horas. O grupo I teve um tempo médio de internação de 10,72 horas e o grupo II 23,7 horas. No pós-operatório não foi observada infecção de ferida, extrusão da fita ou algum tipo de rejeição.
Quarenta pacientes (83,3%) referiram não apresentar perda, estando totalmente secas e foram consideraram curadas, 6(12,5%) apresentaram melhora significativa. Em 46(95,8%) pacientes a cirurgia foi considerada efetiva. Duas (4,1%) pacientes referiram melhora, mas na escala visual deram nota menor que 70 pontos. Nestes dois casos a cirurgia não foi considerada eficaz . Nenhuma paciente referiu piora ou permanência do mesmo grau de incontinência.
Durante a última década o sling pubovaginal tem sido amplamente utilizado no tratamento da I.U.E.. A maior parte desses procedimentos tem sido fáscia lata ou autóloga ou cadavérica ou aponeurose do reto abdominal. A morbidade desse procedimento é baixa porém alguns pacientes queixam de dor no local onde foi retirada a fáscia, e em alguns casos a fáscia do reto abdominal não é disponível devido cirurgia prévia. Além disso é freqüente infecção local quando é utilizada a fáscia cadavérica (11). O uso de material sintético para tratamento da incontinência urinária de esforço ou prolapso, há muito vem sendo utilizado. O principal problema tem sido a intolerância do organismo a este tipo de tecido. Vários materiais já foram utilizados no sling com resultados às vezes desapontadores. PHILIPPE DEBODINANCE (1999) mostrou rejeição ao Dacron nos sligs de 11,2%, do Gore Tex de 10,5%. Com mais de cinco anos de experiência com uso do T.V.T., não tem sido relatada na literatura rejeição (12). No presente estudo não foi evidenciado, até o momento, esta complicação.
Ulmsten inicialmente relatou o procedimento com uso de anestesia local,(8) mas devido a fatores culturais das pacientes e de cirurgiões, em nosso estudo foi utilizada a anestesia local ou a raquianestesia, a depender da preferência de um ou de outro. É advogado que o uso da anestesia local proporciona uma maior interatividade da paciente durante o procedimento permitindo um melhor ajuste da fita, a depender de manobras de esforço realizada por essa (13).
Alex Wang & Min-Chi Chen, em estudo randomizado comparando resultados das duas técnicas anestésicas, não demonstraram diferença de cura, de complicações graves e de dor pós-operatória. Porém demonstraram menor tempo de hospitalização e micção espontânea mais precoce para as pacientes submetidas a anestesia local (13).
Mesmo não tendo sido objetivo inicial do nosso estudo a comparação entre anestesia local e raquianestesia, foi observado que os pacientes submetidos a anestesia local tiveram uma menor permanência média do uso de sonda, taxas significativamente menores de retenção urinária e tempo menor de internação, comparado aos pacientes submetidos a raquianestesia. Das três pacientes que apresentaram retenção urinária prolongada todas foram submetidas a raquianestesia. A literatura não mostra retenção urinária prolongada relacionada a raquianestesia, porém não pode ser afastada uma maior compressão uretral no momento do ajuste da fita, devido uma dificuldade de interação das pacientes anestesiadas dessa forma. Há uma tendência para realização do T.V.T. com anestesia local(8,13,14,15).
Sangramento intra-operatório tem sido descrito, mas geralmente de pequena monta não sendo necessária transfusão ou intervenção (12). No nosso estudo uma paciente apresentou sangramento intra-operatório que cessou com uso de tamponamento vaginal.
A complicação mais comum intra-operatória tem sido a perfuração vesical no momento da passagem da agulha. É relatado na literatura risco de 0% a 30% sendo maior a possibilidade quando a paciente já foi submetida a outra, técnica cirúrgica para correção da I.U.E., aumentando o risco com aumento da quantidade de vezes de cirurgia anterior(8,13,14). Nós evidenciamos 3(6,52%) casos de perfuração vesical. Todas as pacientes estavam sendo submetidas a primeira cirurgia para correção da I.U.E.. Duas destas pacientes não apresentaram sangramento, só sendo notada a perfuração durante a cistoscopia, mostrando ser esta indispensável no sling com uso de T.V.T..
Retenção urinária prolongada tem sido relatada sendo raramente necessária realização de uretrolise (16). Bruce (2000) relatou em seu estudo necessidade de uretrolise em 0,7% das pacientes. Neste estudo, das Três pacientes que apresentaram retenção urinária prolongada, uma foi necessário cortar a fita do T.V.T.. Até o acompanhamento atual, essa foi a complicação mais importante.
Carl Gustaf Nilson relata 87% de pacientes totalmente curadas, 6,8% de melhora significativa e 5% de falha. Ulmsten relata 84% de cura em acompanhamento de 2 anos. Em nosso estudo nós evidenciamos taxas de sucesso e falha semelhantes à literatura. Tem sido descrito que o tipo de anestesia não influencia no resultado final da cirurgia (12,14). Nossas pacientes apresentaram eficácia cirúrgica semelhante quando submetidas a anestesia local ou raquianestesia. Apesar do tempo médio de acompanhamento ser de apenas 8 meses, não temos evidenciado declínio na taxa de cura das pacientes com acompanhamento de até 16 meses. Tem sido relatado acompanhamento por períodos maior que 3 anos sem quedas da taxa de cura (12,14,16).
O Tension-free Vaginal Tape é um procedimento minimamente invasivo com baixo risco de complicação, alta taxa de cura e com manutenção dos índices de cura durante o seguimento. Trata-se de um procedimento de fácil realização e baixo índice de complicação. Foi possível ainda concluir que o tipo de anestesia não altera os resultados finais de cura. Devido menor tempo de internação, menor risco de retenção urinária pós-operatória e não termos nenhum caso de retenção urinária prolongada com uso de anestesia local, esta talvez seja A melhor indicação.
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