Você está em: Home >>>> Profissionais de Saúde >>>> Revista Médica >>>> Volume 37 - Número 2 >>>> DENGUE: NOVAS MANIFESTAÇÕES DE UMA VELHA DOENÇA
Vicente Cés de Souza Dantas - Médico Residente do Serviço de Clínica Médica do H.S.E. - M.S. - R.J.
Luiz Fernando Cabral Passoni - Orientador. Estafe do Serviço de Doenças Infecto-Parasitárias do H.S.E. - M.S. - R.J.
O dengue é em termos de morbidade e mortalidade1 , a mais importante arbovirose que afeta o homem, sendo responsável por mais de 100 milhões de casos / ano em mais de 61 países tropicais do mundo.
Os vírus do dengue são arbovírus, pertencentes à família Flaviridae, gênero Flavivírus , constituído por 4 sorotipos, denominados pelos números 1, 2, 3 e 4.2,3 .
A doença é transmitida por mosquitos do gênero Aedes, sobretudo o Aedes aegypti.
Os primeiros casos de dengue no Brasil datam do século XIX, tendo ocorrido no Rio de Janeiro4, no Nordeste e Sul5 do país, com várias epidemias relatadas na época. Com a campanha brasileira de erradicação da febre amarela em 19036, houve a erradicação do mosquito do país, com ausência de surtos registrados entre 1923 e 19817. No entanto, esta erradicação não foi alcançada em outros países do continente americano, como por exemplo os Estados Unidos, Venezuela e vários países do Caribe, mantendo o país sobre permanente risco de reinfestação.
Com o ressurgimento do mosquito, novamente detectado em 1967, deu-se início a uma nova onda de epidemias começando em 1981 com oito casos em Roraima. Quatro anos mais tarde, o dengue assolou o Rio de Janeiro9, com mais de 95.000 casos notificados e a partir daí espalhou-se para as regiões Nordeste e Centro-Oeste10,11.
Em abril de 1990 um novo surto se inicia no Rio de Janeiro, e pela primeira vez é isolado o sorotipo 212. Nesse surto ocorreram mais de 300 casos de dengue hemorrágico, provavelmente relacionados a infecções sequenciais dos sorotipos 1 e 213-5. Desde então vem ocorrendo uma circulação simultânea dos dois sorotipos do vírus16.
Após 1980 foi identificado, na região Sudeste, o mosquito Aedes albopictus, conhecido vetor do dengue no Sudeste Asiático. Embora tenha se dispersado para vários estados da federação, não há, até o momento, nenhuma comprovação de epidemias de dengue transmitidas por este vetor.
O dengue no Brasil teve um crescimento significativo na década de 90, atingindo o nível mais elevado em 1998, com mais de 560 mil casos registrados. Houve uma redução acentuada em 1999 (210 mil casos), com as campanhas de combate ao mosquito, e um aumento consecutivo em 2000 e 2001, com mais de 239 mil e 390 mil casos notificados, respectivamente. No entanto, a incidência da doença se mantém em 139,7 casos / 100.000 habitantes, inferior à observada em países como o Paraguai, Costa Rica, Barbados, Suriname, Honduras, Equador, Trinidad e Nicarágua.
Há circulação simultânea dos sorotipos 1 e 2 em 18 estados brasileiros e isolamento recente do sorotipo 3 no Rio de Janeiro, o que potencializa o risco de surgimento de epidemias de febre hemorrágica do dengue, notadamente nas grandes metrópoles que já tiveram epidemias por dois sorotipos. Além do Brasil, o sorotipo 3 já foi detectado em 15 países. Já o sorotipo 4, em 10 países, incluindo Venezuela, Equador, Peru e Brasil17.
A análise genômica do vírus do dengue isolado no Brasil mostra que o tipo 1 se relaciona à variedade genotípica Caribenha18 e o tipo 2 à variedade da Jamaica19.
A transmissão do dengue envolve a fêmea dos mosquitos Aedes que se infectam após picarem indivíduos virêmicos e transferem, pela picada, os vírus ao homem susceptível. A chegada do vírus às glândulas salivares do mosquito ocorre após um período de incubação de 7 a 11 dias, determinando o início da transmissão viral pelo mosquito, que passa a transmiti-lo por toda a vida.
Outra forma de transmissão importante, entre os mosquitos, é a transovariana, dispensando o homem do ciclo mantenedor, o que poderia garantir a população viral em estações secas e frias, quando não existem mosquitos adultos ou reservatórios20.
Os principais vetores do dengue são os mosquitos Aedes das espécies aegypti e albopictus, embora o vírus já tenha sido isolado de outras espécies de Aedes (africanus, leuteochephalus,opok,taylori, furcifer, mediovittatus).
O mosquito Aedes é oriundo da Etiópia e foi introduzido nas Américas há 4 séculos com o tráfico de escravos. Este faz sua ovoposição em recipientes com água limpa e parada, com os ovos aderindo à parede do recipiente e podendo resistir a dessecação por até um ano. Os mosquitos adultos possuem pequeno raio de ação, mantendo-se, em geral, a uma distância não maior que 200m dos locais da ovoposição. Contudo, os ovos ou o mosquito podem, acompanhando o homem , viajar, sendo uma forma reconhecida de disseminação vetorial.
O Aedes albopictus, devido a seus habitats rurais, silvestres e, também, à transmissão transovariana mais freqüente, tem importância como potencial causador ou mantenedor de endemias. Este mosquito é oriundo da Ásia Oriental e Pacífico Sul, tendo sido introduzido nas Américas através das rotas de comércio internacional.
No Brasil, o único animal reservatório a participar do ciclo transmissor do dengue é o homem. No entanto, já foi documentada a participação no ciclo, de macacos com mosquitos Aedes (Finlaya) niveus no Sudeste Asiático.21
Após a inoculação do vírus através da picada do mosquito, a primeira replicação ocorre em linfonodos locais, células musculares estriadas e lisas e fibroblastos. Com isto há a disseminação do microrganismo, livre no plasma ou no interior de monócitos / macrófagos22. O vírus do dengue tem tropismo por estas células fagocitárias, que são reconhecidamente importantes para sua replicação23.
Existem duas formas de resposta imune ao vírus: a primeira previne a infecção e propicia a recuperação; a segunda relaciona-se com a imunopatologia do dengue hemorrágico. A primo-infecção pelo dengue estimula a produção de imunoglobulinas M (IgM), detectáveis a partir do quarto dia após o início dos sintomas, atingindo os níveis mais elevados por volta do sétimo ou oitavo dia e declinando lentamente, passando a não serem detectáveis após alguns meses. As imunoglobulinas G (IgG) são observadas, em níveis baixos, a partir do quarto dia após o início dos sintomas, elevam-se gradualmente, atingem valores altos em duas semanas e mantêm-se detectáveis por vários anos, conferindo imunidade contra o sorotipo infectante, provavelmente por toda a vida.
Os anticorpos obtidos durante a infecção por um tipo de vírus também protegem da infecção por outros tipos virais; entretanto, esta imunidade é mais curta, com duração de meses ou poucos anos. Infecções por dengue, em indivíduos que já tiveram contato com outros sorotipos do vírus, ou mesmo outros Flavivírus (como os vacinados contra febre amarela), podem alterar o perfil da resposta imune, que passa a ser do tipo anamnéstico ou de infecção secundária (reinfecção), com baixa produção de IgM, e resposta precoce de IgG24.
Nos quadros de dengue a sintomatologia geral de febre e mal-estar relaciona-se à presença, em níveis elevados, de citocinas séricas. As mialgias relacionam-se, em parte, à multiplicação viral no próprio tecido muscular, acometendo inclusive o nervo óculo-motor, levando a cefaléia retrorbitária.
Já no dengue hemorrágico, uma infecção sequencial foi claramente definida como importante fator de risco, uma vez que os anticorpos preexistentes podem não neutralizar um segundo vírus infectante de sorotipo diferente e, em muitos casos, paradoxalmente, amplificam a infecção, facilitando a penetração em macrófagos25,26. Com isto, tais indivíduos possuem populações de macrófagos maciçamente infectadas, produzindo alta viremia23.
A presença de antígenos de dengue expressos na membrana macrofágica induz fenômenos de liberação imune por linfócitos T CD4 e CD8 citotóxicos. Os macrófagos ativados pelos linfócitos liberam tromboplastina, que inicia os fenômenos de coagulação e, também, liberam proteases ativadoras do complemento, causadoras da lise celular e do choque. O fator de necrose tumoral, de origem macrofágica e linfocitária, foi observado em níveis elevados, o que pode contribuir para a trombocitopenia e o aumento da permeabilidade vascular27.
As alterações patológicas observadas no dengue referem-se, principalmente, a casos de dengue hemorrágico. Observam-se hemorragias cutâneas, no trato gastrintestinal, no septo interventricular cardíaco, no pericárdio, em espaços subaracnóideos e superfícies viscerais. Hepatomegalia e derrames cavitários também são achados freqüentes. Tais derrames possuem alto teor protéico, com predomínio de albumina, e contêm pouco material hemorrágico28.
À microscopia observa-se edema perivascular com grande extravasamento de hemácias e infiltrado rico em monócitos e linfócitos. Entretanto, não parece haver danos em paredes vasculares. Em alguns pacientes com hemorragias, observam-se abundantes megacariócitos em capilares pulmonares, glomérulos renais, sinusóides hepáticos e esplênicos, com evidência de coagulação intravascular. Em linfonodos e baço há proliferação linfoplasmocitária com grande atividade celular e necrose de centros germinativos.
Na medula óssea ocorre bloqueio de maturação celular. No fígado observam-se hiperplasia, hepatite, esteatose, necrose hialina de células de Kuppfer29,30 e a presença, em sinusóides, de células mononucleares semelhantes a corpúsculos de Councilman, lembrando aspecto encontrado na febre amarela. Os rins têm glomerulonefrite relacionada à deposição de imunocomplexos na membrana basal glomerular. Chama a atenção o fato de que as lesões patológicas observadas, excetuando-se as relacionadas a hemorragias profusas, não justificam a extrema gravidade e o óbito destes pacientes.
As manifestações clínicas observadas durante a infecção pelo vírus do dengue ocorrem após um período de incubação de dois a oito dias e são muito variáveis, indo desde quadros assintomáticos até extremamente graves, como, por exemplo, a síndrome do choque hemorrágico31.
No dengue clássico a grande maioria dos casos tem curso benigno, embora variando quanto ao tipo e intensidade de sintomas de acordo com o subtipo viral e a população acometida. O quadro cursa com febre, cefaléia, mialgia, artralgia, vômito e diarréia. Um exantema morbiliforme centrífugo pode surgir no terceiro ou quarto dia de doença, bem como, em alguns casos, fenômenos hemorrágicos discretos (epistaxe, petéquias, gengivorragias).
Ao exame físico pode-se observar micropoliadenopatia e, com menor frequência, hepatomegalia. A febre costuma ceder em até seis dias, iniciando o período de convalescença, que pode durar semanas, cursando com astenia. Quanto ao exame hematológico, observa-se leucopenia com linfocitopenia após o segundo dia de doença. O número de plaquetas encontra-se normal ou levemente diminuído. Pode haver elevação discreta das aminotransferases.
Já no dengue hemorrágico o quadro costuma iniciar-se de maneira semelhante ao dengue clássico, com os fenômenos hemorrágicos surgindo no segundo ou terceiro dia de doença, com petéquias na face, véu palatino, axilas e extremidades. Podem ocorrer púrpuras e equimoses na pele, epistaxes, gengivorragias, metrorragias e hemorragias digestivas. Ao exame físico observa-se hepatomegalia dolorosa e, em alguns casos, esplenomegalia. A presença de hepatomegalia, hematêmese e dor abdominal indicam prognóstico, com provável evolução para o choque32.
A síndrome de choque do dengue costuma surgir entre o terceiro e sétimo dia de doença, mantendo-se neste estado crítico por 12 a 24 horas. Inicialmente os pacientes referem dor abdominal, para depois se tornarem letárgicos, afebris e com sinais de insuficiência circulatória e choque. Instala-se acidose metabólica e coagulação intravascular disseminada (CIVD). Sem tratamento o óbito costuma ocorrer dentro de quatro a seis horas15.
Faz-se o diagnóstico laboratorial utilizando-se dois importantes parâmetros: o hematócrito, que se eleva 20% ou mais do nível habitual do paciente (a hemoconcentração ocorre em metade dos casos), e as plaquetas séricas, que diminuem para níveis abaixo de 100.000/mm3 (plaquetopenia é observada em 70 a 80% dos casos). Outras alterações laboratoriais incluem hipoproteinemia, elevação dos níveis séricos de transaminases e de uréia, hiponatremia e redução da fração C3 do complemento. Nos casos com CIVD, reduzem-se os fatores V, VII, IX e X da coagulação, prolonga-se o tempo de protrombina e de tromboplastina parcial e elevam-se os produtos de degradação da fibrina.
A OMS33 classifica o dengue hemorrágico em quatro graus de gravidade, localizando, nos dois primeiros, formas mais benignas, apenas com febre hemorrágica; e, nos dois últimos, os quadros graves, com falência circulatória:
Há também as formas clínicas menos freqüentes do dengue, vistas mais freqüentemente em países asiáticos onde há maior circulação viral, inclusive do sorotipo 3. Há descrição de quadros que acometem o sistema nervoso central, como encefalites e polineuropatias (síndromes de Reye e Guillain-Barré)34,35, quadros renais como nefrites, síndrome nefrótica e insuficiência renal36, quadros pancreáticos como pancreatites37 e quadros hepáticos, estes mais usuais, como hepatites e insuficiência hepática fulminante29,30,38-44.
O dengue clássico faz diagnóstico diferencial com doenças viróticas variadas, tais como influenza, sarampo, rubéola e hepatites e também com a leptospirose na sua forma não ictérica e a malária. Já o dengue hemorrágico pode ser confundido com infecções bacterianas graves, malária grave e principalmente com a febre amarela.
Com a introdução do vírus do dengue sorotipo 3, o grande diagnóstico diferencial do dengue hemorrágico é a febre amarela, já que são da mesma família dos flavivírus, possuem o mesmo vetor, o mosquito Aedes Aegypti, semelhanças entre seus quadros clínicos e laboratoriais e a possibilidade de reações cruzadas nos testes sorológicos.
A febre amarela possui um período de incubação de três a seis dias e o espectro clínico da doença pode variar desde quadros benignos, como uma doença febril inespecífica, até outros fulminantes, marcados por fenômenos hemorrágicos. A doença inicia-se com febre, calafrios, cefaléia, mialgias, anorexia, náuseas e vômitos e hemorragias gengivais de pequena monta ou epistaxe. Ao contrário do dengue o paciente, mesmo com febre alta, pode ter uma bradicardia relativa (sinal de Faget).
A fase sindrômica dura aproximadamente três dias e corresponde ao período de infecção, durante o qual o vírus está presente no sangue. Esta pode ser seguida pelo período de remissão, no qual ocorre a melhora dos sintomas e dura, em média, 24 horas. Entretanto, nos casos graves, a febre e os sintomas reaparecem, com piora na sua intensidade e com o surgimento de icterícia, sintomas que caracterizam o período de intoxicação.
Há piora dos fenômenos hemorrágicos com hematêmese, melena, metrorragia, petéquias, equimoses e sangramento difuso pelas mucosas. O óbito acontece em 20 a 50% dos casos graves entre o sétimo e décimo dia de doença. Precedendo o óbito há uma piora da icterícia, hemorragias, taquicardia, hipotensão, oligúria e azotemia. Hipotermia, agitação, delírios, soluços incoercíveis, hipoglicemia, estupor e coma são sinais que apontam para o êxito letal. Ao contrário do dengue, a febre amarela tende a apresentar disfunção renal marcada por albuminúria e diminuição do débito urinário.
As alterações laboratoriais incluem leucopenia, elevação das bilirrubinas e transaminases, trombocitopenia, tempos de protrombina e coagulação prolongados e alterações do segmento ST no eletrocardiograma.
A convalescença é prolongada com profunda astenia que pode durar por até duas semanas. Os níveis de transaminases podem permanecer elevados por pelo menos dois meses. A recuperação é total, exceto nos casos em que houve complicações, principalmente por fenômenos hemorrágicos.
O dengue clássico faz diagnóstico diferencial com doenças viróticas variadas, tais como influenza, sarampo, rubéola e hepatites e também com a leptospirose na sua forma não ictérica e a malária. Já o dengue hemorrágico pode ser confundido com infecções bacterianas graves, malária grave e principalmente com a febre amarela.
Com a introdução do vírus do dengue sorotipo 3, o grande diagnóstico diferencial do dengue hemorrágico é a febre amarela, já que são da mesma família dos flavivírus, possuem o mesmo vetor, o mosquito Aedes Aegypti, semelhanças entre seus quadros clínicos e laboratoriais e a possibilidade de reações cruzadas nos testes sorológicos.
A febre amarela possui um período de incubação de três a seis dias e o espectro clínico da doença pode variar desde quadros benignos, como uma doença febril inespecífica, até outros fulminantes, marcados por fenômenos hemorrágicos. A doença inicia-se com febre, calafrios, cefaléia, mialgias, anorexia, náuseas e vômitos e hemorragias gengivais de pequena monta ou epistaxe. Ao contrário do dengue o paciente, mesmo com febre alta, pode ter uma bradicardia relativa (sinal de Faget).
A fase sindrômica dura aproximadamente três dias e corresponde ao período de infecção, durante o qual o vírus está presente no sangue. Esta pode ser seguida pelo período de remissão, no qual ocorre a melhora dos sintomas e dura, em média, 24 horas. Entretanto, nos casos graves, a febre e os sintomas reaparecem, com piora na sua intensidade e com o surgimento de icterícia, sintomas que caracterizam o período de intoxicação.
Há piora dos fenômenos hemorrágicos com hematêmese, melena, metrorragia, petéquias, equimoses e sangramento difuso pelas mucosas. O óbito acontece em 20 a 50% dos casos graves entre o sétimo e décimo dia de doença. Precedendo o óbito há uma piora da icterícia, hemorragias, taquicardia, hipotensão, oligúria e azotemia. Hipotermia, agitação, delírios, soluços incoercíveis, hipoglicemia, estupor e coma são sinais que apontam para o êxito letal. Ao contrário do dengue, a febre amarela tende a apresentar disfunção renal marcada por albuminúria e diminuição do débito urinário.
As alterações laboratoriais incluem leucopenia, elevação das bilirrubinas e transaminases, trombocitopenia, tempos de protrombina e coagulação prolongados e alterações do segmento ST no eletrocardiograma.
A convalescença é prolongada com profunda astenia que pode durar por até duas semanas. Os níveis de transaminases podem permanecer elevados por pelo menos dois meses. A recuperação é total, exceto nos casos em que houve complicações, principalmente por fenômenos hemorrágicos.
O diagnóstico do dengue pode ser feito por métodos virológicos ou sorológicos. O método virológico é realizado através da identificação viral após inoculação de sangue em culturas celulares. O método só é válido no período de viremia (até o sexto dia após o início dos sintomas), após o qual é dada preferência para os métodos sorológicos. A confirmação diagnóstica é feita em média de seis a dez dias45,7.
Já os métodos sorológicos baseiam-se na pesquisa de anticorpos específicos contra o vírus do dengue infectante. Classicamente utilizadas são as técnicas de neutralização de plaques em culturas celulares, a fixação do complemento e a inibição da hemoaglutinação. Apesar de adequadas em termos de sensibilidade e especificidade, elas não permitem diferenciar anticorpos IgG e IgM. Portanto, faz-se necessária, para o diagnóstico, a colheita de soros pareados, observando-se elevação maior do que quatro vezes nos títulos séricos48.
Métodos sorológicos modernos discriminam IgM e facilitam o diagnóstico, por basearem-se na presença desta imunoglobulina em apenas uma amostra sérica. Os testes mais utilizados são os imunoenzimáticos, principalmente o de captura de IgM (MAC-ELISA).
As IgM começam a serem detectáveis no soro após quatro dias do início dos sintomas, atingindo níveis máximos em sete a oito dias e declinando para não serem mais detectadas em alguns meses. Já as IgG começam a serem detectadas em títulos muito baixos a partir do quarto dia, atingindo títulos máximos em duas semanas e mantendo títulos baixos provavelmente por toda a vida do indivíduo.
O problema comum com os testes sorológicos são as reações cruzadas que ocorrem para os diferentes tipos de vírus do dengue e mesmo com outros flavivírus , dificultando o diagnóstico específico do vírus infectante49.
Já que não existe até o momento tratamento medicamentoso, profilaxia ou vacinas específicas e eficazes contra o vírus do dengue, o tratamento é baseado em medidas de suporte (hidratação, analgesia, antitérmicos) de acordo com o tipo de dengue (clássica ou hemorrágica) e com as manifestações clínicas.
V.P.C., 29 anos, sexo feminino, admitida no dia 07/03/2002. Cinco dias antes iniciou quadro de febre, cefaléia, dor retrocular, mialgias, artralgias, astenia, prostração e anorexia.
Moradora de Santa Cruz da Serra (RJ), a referia boas condições de moradia, alimentação e higiene; negava casos semelhantes em sua região; e não possuía nenhum animal de estimação. Negava doenças familiares, uso de álcool ou tabagismo, promiscuidade ou relação sexual recente, gravidez, uso de drogas ou de pílula anticoncepcional. Referia ter sido submetida a nefrectomia renal direita aos seis anos de idade, por pielonefrite de repetição, mas não sabia informar, ao certo, sobre ter recebido transfusão durante a cirurgia.
Ao exame encontrava-se febril (38ºC), freqüência cardíaca de 68 bpm, pressão arterial de 130x80mmHg, referia dor epigástrica e em hipocôndrio direito, ausculta pulmonar e cardíaca sem alterações, assim como o restante do exame físico.
Iniciada hidratação venosa, paracetamol e ranitidina. Colhido sangue para exames (tabela 1). A sorologia para dengue (08/03/02 IgM não reagente). Radiografia de tórax foi normal.
VARIÁVEL | 2 dias antes da admissão | Admissão | 2º dia de internação | 3º dia de internação |
---|---|---|---|---|
Hematócrito (%) | 38.6 | 38.7 | 35.2 | 33.2 |
Leucócitos (mm3) | 2.640 | 2.300 | 3.200 | 4.900 |
Plaquetas (mm3) | 79.400 | 43.100 | 55.000 | 69.000 |
Manteve o mesmo quadro clínico, quando três dias após à internação desenvolveu icterícia, hepatomegalia dolorosa, vômitos, dispnéia aos grandes esforços e epistaxe. Febril (38.2ºC), com freqüência cardíaca de 92bpm, pressão arterial de 120x70mmHg, 21 incursões respiratórias, sem alterações na ausculta cardíaca ou pulmonar, assim como no restante do exame físico.
Nova radiografia de tórax evidenciou infiltrados intersticiais bilaterais. Ultra-sonografia abdominal evidenciou ascite moderada, hepatoesplenomegalia homogênea, ausência de dilatação dos canais biliares intra e extra hepáticos, vesícula biliar sem alterações e veia porta de 10mm. Hemoculturas e coproculturas sem crescimento bacteriano.
Sorologias para leptospirose (macro e micro aglutinação não reagentes), febre amarela (não reagente); hepatites virais (Hbsag , antiHbsag, anti Hbc IgM, Anti Hcv e anti Hav IgM não reagentes; anti Hbc IgG e anti Hav IgG reagentes).Novamente para dengue (14/03/02 IgM reagente com sorotipagem evidenciando dengue vírus tipo 3).
Ceruloplasmina sérica (valor dentro da normalidade); eletroforese de proteínas (5.0 g/l com 58.8% albumina); FAN, anticorpo antimitocondrial, anticorpo antimúsculo liso, e anticorpo anti LK1 não reagentes.
Novos exames de sangue (tabela 2) e novo hemograma que evidenciou 33.2% de hematócrito, 4.900 leucócitos/mm3 e 69.000 plaquetas/mm3.
VARIÁVEL | 2º dia de internação | 3º dia de internação | 5º dia de internação | 6º dia de internação |
---|---|---|---|---|
AST | 2.074 | 1.695 | 2.000 | 1716 |
ALT | 981 | 890 | 1.200 | 873 |
Proteína total | 7.2 | 5.8 | ||
Albumina | 3.9 | 2.5 | ||
Gama GT | 376 | |||
FA | 384 | |||
B.total | 4.57 | 12.9 | 11.4 | |
B.direta | 3.16 | 12.0 | 11.2 | |
TAP (INR) | Incoagulável | |||
Uréia | 16 | 24 | 35 | 49 |
Creatinina | 1.1 | 0.7 | 1.1 | 0.4 |
Encaminhada ao Centro de Tratamento Intensivo iniciou omeprazol, metoclopramida, dipirona e plasma fresco. Transferida após três dias de internação no CTI para a enfermaria de infectologia, já afebril, mas com piora da icterícia e da dispnéia, agora em repouso (ausculta pulmonar com murmúrio vesicular abolido em ambas as bases e diminuído em terço médio de hemitórax direito), mantendo hepatomegalia dolorosa e piora da dor abdominal. Evoluindo com anasarca (65,600 Kg – peso inicial de 49kg), ascite importante e discreto tremor de extremidades. Mantinha função cognitiva. Ocasionalmente epistaxe e metrorragia e freqüentemente hemorragia pelos sítios de punção e hematomas generalizados.
Nova radiografia de tórax (derrame pleural bilateral, mais acentuado a direita, e infiltrados intersticiais bilaterais); EAS (ausência de proteinúria significativa). Ecocardiografia evidenciou discreto derrame pericárdico.
Novos exames:hematócrito de 31.9%, 5900 leucócitos/mm3, 100.000 plaquetas/mm3, PTT 83segundos, INR 2.6, AST 1868u/ml, ALT 825u/ml, proteína total 4.2mg/dl com 1.8mg/dl de albumina, GGT de 258u/l, fosfatase alcalina de 243u/l e bilirrubina total de 15mg/dl com 13.7mg/dl de bilirrubina direta.
Realizada paracentese do líquido ascítico, que evidenciou leucometria de 60 células (70% mononucleados), proteína total 3.3mg/dl com albumina 1.6mg/dl (valor sérico: proteína 6.3mg/dl e albumina 2.9mg/dl), 3.820 hemácias/mm3, glicose 86mg/dl (valor sérico de 70mg/dl) e cultura para germes comuns negativa.
Iniciada furosemida, aldactone, lactulona, gentamicina via oral, vitamina K, oxigênio suplementar, e mantidos omeprazol, metoclopramida e plasma fresco. Houve melhora gradativa do quadro clínico e laboratorial (tabela 3) até a paciente receber alta após 41 dias de internação hospitalar, apresentando ao exame discreta icterícia, anemia moderada (HT 21%), hepatoesplenomegalia indolor mantida, e pesando 49.000 kg.
Liberada somente com omeprazol, já que a endoscopia digestiva alta evidenciou pangastrite antral enantematosa e erosiva leve, sem sinal de sangramento recente. Seis semanas após a alta hospitalar a paciente encontrava-se normal ao exame físico, e as provas laboratoriais dentro de valores normais.
VARIÁVEIS | 13º dia de internação | 16º dia de internação | 28º dia de internação | 41º dia de internação |
---|---|---|---|---|
HT | 34 | 33 | 8 | 21.2 |
WBC | 2.700 | 3.300 | 5.780 | |
PLT | 94.300 | 119.000 | 407.000 | |
PTT | 40” | 39” | 40” | |
INR | 1.82 | 1.60 | 1.0 | |
AST | 734 | 480 | 194 | 79 |
ALT | 450 | 360 | 150 | 70 |
PTN | 5.9 | 6.3 | 7.3 | 7.0 |
ALB | 2.6 | 2.9 | 3.3 | 4.3 |
CGT | 158 | 143 | 454 | 232 |
FA | 243 | 349 | 288 | 150 |
BT | 25.2 | 24.8 | 18.5 | 11.2 |
BD | 23.1 | 22.7 | 16.9 | 9.7 |
Os vírus do dengue e o da febre amarela pertencem à mesma família e gênero, diferenciando-se somente por algumas proteínas constituintes do RNA viral. Esta diferença torna-se menos acentuada nos sorotipos 3 e 4 do vírus do dengue. Os dois vírus sempre foram causas de doenças febris agudas, que podiam variar desde puros quadros febris até manifestações sistêmicas mais graves como hemorragias, hepatites e encefalites.
Até a década de oitenta a febre amarela era causa de quadros mais graves, enquanto o dengue causava em geral, quadros febris benignos. Nesta época a maioria dos países que tiveram epidemias de dengue, as tiveram por um só sorotipo viral, não apresentando então quadros de dengue hemorrágico.
Não havia também até aquele momento a identificação dos sorotipos 3 e 4 do vírus do dengue. A partir de 1978, com a identificação do sorotipo 3 em alguns países da América Latina e com a segunda onda de epidemia de dengue em diversos países, é que se detectaram os primeiros casos de dengue hemorrágico, e viu-se que o dengue poderia levar a quadros clínicos tão graves quanto os da febre amarela.
A fisiopatologia das duas doenças é diferente, pois enquanto o vírus da febre amarela tem predileção por se replicar nos hepatócitos, explicando assim a maior freqüência de alterações hepáticas observadas nesta doença, o vírus do dengue se replica preferencialmente nas células do sistema fagocitário sanguíneo. Mas no caso do dengue hemorrágico, como há a amplificação da resposta imune e infecção maciça das células monofagocitárias, estas acabam depositando-se no sistema reticuloendotelial, levando mais freqüentemente a quadros hepáticos50.
Não se tem até o momento dados conclusivos em relação aos sorotipos 3 e 4. Acha-se que eles poderiam ter maior predileção em se replicar em células do fígado, assim como o vírus da febre amarela. Mas o que se tem de concreto é que estes dois subtipos do vírus do dengue começaram a se tornar importantes causadores de epidemias após já terem ocorrido infecções pelos sorotipos 1 e 2, podendo explicar então a maior gravidade dos casos vistos com aqueles dois sorotipos, já que são causadores mais comuns de dengue hemorrágico51.
Quanto às alterações hepáticas os dois vírus promovem aumento das aminotransferases com a aspartato aminotransferase (AST) em maiores níveis que a alanino aminotransferase (ALT). No caso do vírus do dengue tais alterações são mais comuns e pronunciadas no dengue hemorrágico. O início do aumento das enzimas se dá por volta do nono dia de doença com o pico enzimático por volta da segunda semana. Na maioria dos casos há completa recuperação por volta da sexta semana.
Também há hepatomegalia, aumento da fosfatase alcalina, gama-GT e bilirrubinas, mas em menor escala que as transferases. Sabe-se que pacientes com episódios de sangramentos no decurso da doença têm níveis maiores de AST, ALT e Gama-GT. No entanto o nível das enzimas hepáticas não está correlacionado diretamente com a evolução do doente. Só uma minoria dos casos evolui para quadros fulminantes, a maioria curando-se sem sequelas, independente do nível sérico das transferases no decorrer da doença52,4.
No tocante a patogenia do acometimento hepático, os dois vírus diferem. O vírus da febre amarela tem sua primeira replicação nas células de Kupffer, tendo como principal alvo o parênquima hepático. O dano hepatocelular é marcado por degeneração celular nas regiões mesolobulares e mediozonais dos lóbulos hepáticos, correspondendo à necrose de coagulação dos hepatócitos com infiltração gordurosa microvacuolar. Já o vírus do dengue leva a lesões hepáticas que lembram as da febre amarela em seu estágio inicial porém menos severas e mais localizadas, isto é, necrose focal central e paracentral, hipertrofia das células de Kupffer, pouca infiltração gordurosa e pequena infiltração mononuclear portal.
Em ambos os casos há a presença dos corpúsculos de Councilman, que parece corresponder a apoptose dos hepatócitos. Não se sabe ao certo se as alterações hepáticas induzidas pelos vírus são devidas a eventos citopáticos diferentes, já que na febre amarela claramente os hepatócitos são o maior local de replicação viral, enquanto no dengue este sítio ainda não foi definido, apesar do que, parece haver susceptibilidade destas células à infecção pelo vírus55.
O vírus do dengue também se caracteriza por infecção celular precoce (32h), extensa morte celular por apoptose e uma baixa produção de partículas virais, enquanto o vírus da febre amarela só começa a levar a alterações celulares após 72h, mas com altos títulos de produção de partículas virais. Isto se dá pois o vírus do dengue usa um meio mais eficiente de contaminação celular. Com isto, o processo mais agudo do dengue leva a uma pronta resposta do organismo, que ativa as células fagocitárias e limita o dano hepático. Já com a febre amarela o organismo não reage ao estímulo até ser tarde demais para conter o dano celular. Por esta razão normalmente o vírus da febre amarela leva a lesões hepáticas mais graves56,57.
A evolução para quadros fulminantes permanece uma incógnita, já que não sabemos qual doente irá evoluir mal, pois nenhum dos marcadores séricos de dano hepatocelular parece predizer o prognóstico. Também não sabemos porque a maioria dos doentes com dengue hemorrágico e febre amarela evoluem com resolução completa do quadro hepático, enquanto uma minoria desenvolve insuficiência hepática aguda. Aventa-se a possibilidade que uma amplificação da resposta imune normal poderia ser a responsável pelos quadros de pior evolução clínica52,58.
Em resumo temos que, apesar de serem doenças diferentes, a febre amarela e o dengue podem levar a quadros clínicos muito semelhantes, principalmente após o surgimento do dengue hemorrágico. A própria fisiopatogenia das doenças poderia levar-nos a crer que a febre amarela teria um comprometimento hepático mais grave, porém as duas doenças na maioria dos casos levam a hepatites leves e só raramente a danos hepáticos extensos. Ainda não se sabe qual paciente evoluirá com insuficiência hepática fulminante e o porque desta evolução ainda é uma incógnita.
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