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Os tempos atuais trazem uma progressiva atenção à qualidade que a nossa vida vem tendo, assim como a relação com aqueles que prestam serviços à sociedade, quer particulares ou governamentais. Escândalos, como o do governo francês e a contaminação dos bancos de sangue pelo HIV, a qualidade da carne de origem animal oriunda da Grã-Bretanha e os problemas constantementes levantados sobre os hemoderivados no Brasil refletem essa realidade.
Espera-se que a sociedade civil, cada vez mais esclarecida pelos diversos meios de comunicação, busque informações sobre os aspectos mais importantes do cotidiano, e os assuntos relacionados à saúde estão entre os principais.
As formas de doença que acometem o nosso fígado estão entre as mais comuns, e devem trazer profunda reflexão sobre o comportamento social atual.
As doenças que mais comumente afetam o fígado o fazem de duas formas: agudas e crônicas.
As formas agudas são usualmente denominadas hepatites que, ipsi literi significa inflamação do fígado.
É imprescindível esclarecer que a imensa maioria das hepatites, qualquer que seja sua origem, são muito pouco sintomáticas, muitas vezes sendo confundidas com "gripes", "viroses", "ressaca", "stress" e etc.
Dentre as causas mais comuns de hepatites agudas estão as tóxicas , causadas pela ingestão de bebidas alcoólicas, medicamentos, e finalmente drogas ilícitas.
Outra causa extremamente comum das hepatites são aquelas de origem infecciosa , especialmente as hepatites virais. Hoje conhecemos dezenas de vírus que podem causar hepatite, contudo cinco são considerados os mais importantes, denominados por letras de A a E, cuja importância reflete os habitos culturais daqueles que, em algum momento de suas vidas, os assumem. Estas hepatites infecciosas que acometem o ser humano são exclusivas dos humanos.
Enquanto que a hepatite A e a hepatite E ão de transmissão fecal-oral, i.e. originada a partir da contaminação de alimentos ou água por fezes humanas, as hepatites B, C e D são de transmissão parenteral, necessitando que estes vírus nos contaminem pela inoculação direta.
Até bem pouco tempo atrás acreditava-se que esta inoculação direta era preponderante na forma das transfusões de sangue de "má qualidade". Contudo atualmente sabe-se que a transmissão pelas relações sexuais são muito mais importantes na manutenção destes vírus na natureza ao longo dos séculos.
Poderíamos nos perguntar qual então seria o grande problema das hepatites infecciosas, já que elas parecem não ser tão graves ?
O problema reside não apenas nas formas agudas, cuja mortalidade pode alcançar índices alarmantes em crianças, idosos, gestantes e naqueles já debilitados por outras doenças. Um percentual crescente das pessoas que adoecem, sem saber que estão doentes, vão evoluir para uma forma crônica grave de doença no fígado, conhecidas como cirrose, hepatite crônica e câncer no fígado . Os tratamentos destas formas crônicas são caras, submetem o pacientes a certo sofrimentos e seus índices de cura não são bons.
Portanto qual seria a solução para o problema das hepatites ?
Como pudemos ver, embora agrupados como "hepatites", existem várias causas e melhor seria se abordassemos os problemas de forma particular. Mas a prevenção é, sempre, o melhor método.
No tocante às hepatites tóxicas o cuidado com a ingestão de bebidas alcoólicas , especialmente as destiladas com maior teor alcoólico, é imprescindível. No Brasil não existe uma cultura popular de não oferecer bebida alcoólica às nossas crianças e não é incomum que o alcoolismo se inicie na infância ou na adolescência. O uso indiscriminado de medicações potencialmente hepatotóxicas (como, p.ex.: o acetaminofen) deve ser desencorajado na forma de campanhas de repúdio à automedicação . Quaisquer medicações que voce estiver fazendo uso, mesmo que esporádico, deve ser orientada por um médico . O uso de drogas ilícitas é um problema mundial e, uma abordagem multidisciplinar com médicos, psicólogos, e outros profissionais de saúde podem ajudar voce a controlar este problema. Não se sinta envergonhado de conversar sobre drogas com as crianças, e muito menos de levá-los a um profissional de saúde (médico ou psicólogo) apenas para conversar.
Quanto às hepatites infecciosas existem várias formas de abordar o problema. Já que existem formas de transmissão destas que implicam na contaminação de nossos alimentos com fezes humanas, é imperioso que haja saneamento básico , com sistema de fornecimento de água tratada e drenagem e tratamento apropriado do esgoto e coleta de lixo que resistam às intempéries do meio ambiente como as enchentes. Mas não apenas isso. Quando houver problemas com o tratamento municipal de água devemos, necessariamente, ferver e filtrar a água destinada ao consumo. Podemos adicionar uma colher das de sopa de hipoclorito de sódio (água sanitária) para cada 10 litros de água, como complemento. Lembre-se que as fontes de água destinadas ao consumo devem ficar longe das fontes de água usadas na higiene pessoal. Não devemos usar a mesma água para tomar banho, lavar as mãos, preparar alimentos e beber. Os alimentos devem ser cozidos ou, senão, bem lavados e deixados "de molho" em ácido acético (vinagre) por um período mínimo de meia hora. Hábitos higiênicos devem ser esinados e estimulados, entre eles: a escovação frequente e diária dos dentes, a lavagem escrupulosa das mãos antes das refeições e após o uso do banheiro, manter as unhas aparadas, uso constante de calçados , etc. Como podemos notar essas medidas não apenas previnem algumas formas de hepatites como, também, outras doenças como as verminoses (ascaridíase, enterobiose, etc), as enteroprotozooses (giardíase, amebíase, etc) e febre tifóide, entre outras.
As hepatites de transmissão parenteral necessitam de um método de prevenção diferente. O controle de qualidade dos bancos de sangue que nos servem tem que ser exigido, não apenas pelo Governo mas principalmente por nós. Se a sociedade que é a principal usuária, e beneficiária, dos bancos de sangue não tomar conta, quem tomará ? É imprescindível que haja uma triagem adequada dos doadores. Todo mundo pode doar sangue ? A resposta é NÃO. Seria bom que todos pudessemos doar, pois há necessidade crescente de sangue. Mas se um doador se apresentar em troca de dinheiro ele deve ser rejeitado, assim como aqueles com passado de hepatites, uso de drogas ilícitas, tatuagens, etc. Contudo não basta apenas o controle do banco de sangue para diminuirmos a ocorrência das hepatites de transmissão parenteral. A prática do sexo seguro, com uso de preservativos é de suma importância, não apenas na prevenção da infecção pelo HIV como também da hepatite (especialmente a hepatite B).
Hoje em dia já dispomos de vacinas contra algumas formas de hepatite infecciosa (principalmente hepatite A e hepatite B), e existem pesquisas sendo conduzidas em todo mundo nesse sentido. O custo da vacina é irrisório frente ao custo e sofrimento da doença, mesmo quando esta apresenta um curso benigno.
Existem alguns lugares do planeta em que uma série de doenças existem concentradas na forma de endemias, e as hepatites não são a exceção. No Brasil a região amazônica é muito bem conhecida pela endemicidade das hepatites B e D e, em menor escala, A. Portanto qualquer pessoa que tenciona viajar para a região amazônica tem clara indicação de receber vacinas contra diversas doenças, entre elas as hepatites.
Enfim, convido-vos à última reflexão, deste editorial, sobre a sociedade que vivemos. Se as chances de termos estas formas mais diferentes entre si de hepatites é diretamente proporcional ao nosso modo-de-vida , até que ponto este modo de vida não deve ser ajustado para melhor nos servir ?
Embora as vacinas sejam o futuro, existem modos simples de prevenção que passam pela simples educação . E quantos da nossa sociedade brasileira não tem acesso à educação ?
E quantos de nós não tem acesso à moradia ?
Ao saneamento básico ? À coleta de lixo ? À água potável ?
E quantos não terão acesso às tecnologias mais avançadas das vacinas ?
Quantos de nós somos, realmente, cidadãos ?
Prof. Dr. Pedro G. Garbes-Netto
Novembro de 1997.
Pela Dra. Maria Letícia Santos Cruz
Pela Dra. Jacqueline A. Menezes